quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sândalo da Vida

Sândalo da vida.

Cobre; metal; invólucro das tempestades.

Cintilante desejo, acompanhamento.

Passo, pluri-multi-forme de emoções.


Regozijando as frestas nobres... desacredito das pequenesses ingrunhadas;
Fado e tontura de cabarés e risos noturnos...
.... galanteios de uma incerteza que tão frouxos... é mesmo uma quebra.

Traz suas ventanias ao som de uma flauta doce...
...cujos tambores quebraram a monotonia...
e nem pudemos olhar de novo... que já tinha tudo mudado, fato.

Nisso teve uma mudança tão brusca, foi. Tão brusca que deu um giro desses...
Derreteu tudo e tudo se derretia... tudo cheirava, tudo vivia, tudo acabava em lagos
Em pássaros... mangues e primaveras.

Sândalo da vida.

Sorria que nessa barca tá tudo pra cá de espraiado!

Custou alguns cobres, alguns trocos;

Mas veio, nobre coração de riquezas e apuros...

...uma cristaliza vontade de praticar!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Confissões

Não é facil o sabor agridoce da chantagem...

Quando ele alcança nossas papilas gustativas
Salivamos um pouco mais por temeridade e culpa
Não aguentamos chegar sem rodeios ao todo do gosto
Que esse, garanto, destrói nossas multas.

Paga nossos preços e entrega as encomendas
Que sempre tivemos chance de escapar destas ciladas
Mas deixamos esses tropeços para um passo mais adiante
E, então, ele nos surpreende e tomba e ri e se deleita...

O sabor da chantagem, da mediocridade explícita
Os grandes tornam-se ridículos
Os magos, risíveis.
Bobos, os atores e palhaços, os cortejadores.

Este asco adocicado com mel, assumindo
Uma feição de mania e paranóia ambulante
Acoberta e esconde aquilo que traria a cura
A verdade encarada, dita e hombramente vivida

O abandono que eu escondo,
O choro que eu calo,
A mágoa e a dor que enquadro em um gracejo
Estas armas seriam minhas redentoras

Mas as sequentro do meu dia-a-dia
As levo para um mato bem fundo
Cavo uma cova para tê-las enterradas
E penso logo em jogar-me junto

Mas ainda tenho um espetáculo a causar
Tenho mudas de flores que os outros consideram vivas
Eu engano, ainda engano bem.
Falo de ontem como se planejasse o amanhã dos dias

Sei não onde guardo essas dores
No meu peito tem pulmões e outros órgãos, não cabe.
Na minha cabeça, Deus me livre!
No coração, é hora grande demais, demais pequeno.

Guardo, por hora, na minha poesia
Onde cabem minhas grosseiras confissões de mentiroso
Marchinhas de carnaval feitas de improviso, assim, no torto
E uma purpurina que perfuma o sabor do morto.

Escrevo, jamais falar.

O Encontro Inesperado


Sinto presumir a nudez de uma mulher.

Respiro o cheiro que se esvai nas lidas e jogos das damas
Seu toque feminino no semblante de lábios recheados
Envoltos em carnes e sangue, vermelho sutileza

Tortas envergaduras que soletram a sua silhueta
Com um corpo que expõe sua força como uma pilastra
Alicerces que erguem o seu encanto
Fascinam e gemem nossas feridas

Penetro nos sonhos onde antes elas residem
Como é sempre que deve ser, domino.
Me sinto em casa
E moro, e vivo

Se não posso ir aos locais mais ocultos de sua alma
De algum modo atinjo suas representações
Atinjo suas figuras, seus óculos, vestidos, martelos
Pego ela aonde ela se acha mais fortalecida

É neste local que ela caem, aos risos.

De que vale a derrota se ela não tiver graça?
Elas riem, riem e tapam as bocas aos suspiros
Tapam suas carícias, suas passagens e intimidas
Tapam suas virtuosidades.

Nessa nudez as mulheres todas se escondem.

Amam jogar esse joguinho de cão e gato
De gato e sapato, retratos da vida e do encontro

E guardam os corações para as regras da entrega
Juntando suas espectativas e mistérios
Tudo aquilo que é verdadeiramente incompreendido
Sua nudez mais profunda

Afinal, quem é que entende a nudez mesmo?

Sempre a tapam, a escondem, a levam às últimas consequencias
Parece que com um prazer de tornar o belo grotesco
Para que, no fim, pareça se tudo aquele amontoado de coisas insignificadas
E sem sentido.

As muralhas do sonho são mais leves, deixam seus corpos mais soltos
Suas danças são mais finas, seus cumprimento, mais sensuais.

As vezes da voz que sussurrou contra toda nudez malfalada,
Despiu-se da vergonha e do tormento
Entregou-se, lucidamente, aos seus desejos
E abriu o caminho escondido do nosso hemisfério...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Tranbordagem para Despertar

Sinto um barulho escondido no mundo
Barulho de facas e nozes e sopros ao pé do ouvido

Tratados de métrica reduzida
Com seus sapatos engraxados com a cera da vida

Sinto as tábuas rangendo por debaixo de seus pés.

Recordo-me da fadiga que antes experimentara
E de como era bom estar lá embaixo
Debaixo dos meus pudores
Sentindo o sapato amaciar-me os calos

E depois de massagear os meus defeitos até à noite
De amantegar as curvas para passar minha mãos por cima
Tive a sensação de já estar delirando de mágoas
Com as facas tocando uma valsa clara e fina

Pois o leito onde eu dormia cabe para mais de mil
E vários homens e mulheres ausentaram-lhe seu convívio
Na casa dos meus pais, dos meus patronos
Onde não se podia falar de silêncio, que o barulho de ouvia.

Fragrância de mel dos olhos riscados
Um traço tão sutil, represando a mão do artista
É noite e a aurora, a tampa do piso que tinha se abrido
Um cheiro de recordação e surpresa, cheiro de um tom calado

Partiram para então à busca deste passado...
O frio que recobre dos os homens.
Nele buscavam suas estórias, seus lamentos
Nele buscavam o tormento que fora ferido

De ontem para hoje, enviaram um recado:
"O som desperta às nove horas!"

Calam-se todas as bocas! O som em vós desperta!

Um arrepio que toma conta de nossas mentes
Sai do fundo dos cérebros notáveis...

Evacuando as áreas mais inóspitas
Vendendo o perfume da lembrança e do apego
Os sapatos já gastos de tanto lustrar egos e fados
Cantorias que ecoamo atrás dos ventos e dos cobres

Uma fábula de gansos e patos, leões e libélulas doces
E toda uma confusões, uma paranóia, uma loucura, um assédio!
"O som desperta às nove horas!"; "O som desperta às nove horas!"
Êia! Vito! Rodopeio rodopeio! Salta antes que é tarde! Tarde...

Calmaria das lebres que voltaram na primavera...
Voltaram para trazer um sentido e um olfato
Um trazer e por mais atranquilado, mais nestorino...
Um saltar menos desesperado

Olhar o passado é apenas um filme que ontem se foi...
Deixando o script ainda borrado pela pressa que as coisas foram
E tendo um ar de naftalina que impregnou em nossas roupas

Olhar tamboso... olhar horizontino... olhar matuto
Beirão de estrada
Zumbido
Roça e carro
Boi e fogão

Olhar de forno, de despedida de sempre e de volta
Olhar de estrada adistanciada.

domingo, 9 de novembro de 2008

Poesia de um Vôo Condoreiro

Venho trazer umas notas de palavra
Dar corpo e sentimento aos momentos sublimes
Gracejar dos lírios que com vento voam
Trazer festa, trazer fogo, folia

Venho fazer um novo suplício
Fazendas de grande porteira e garças
Voando em nuvens de terra
Com o solo dos albatrozes por caminho

Desta viagem têm mais que palavras
Têm pêlo e penugem de águia
Têm cheiro de orvalho fresco
De sereno e noite enluarada

Novamente vou descer como antes
Faço um novo pouso para reabastecimento
E dessa parada pego uma carona na conversa
E nisso fui refazendo amizades e recados

Braço direito dos pássaros mais altos
Os que voam e cantam ao som da mata
E brilham quanto mais giram alto
Giram, giram, giram bem ao nosso lado

Desta vez eu vou mais longe
Sem medo eu levanto com força
E assim nem sei mais como eu tava
Que agora to leve como as onças

As onças da mata de cima
E os bugios, macaquinhos e potiguares
Toda uma floresta de onde nem esperava
Uma coisa de tanta beleza que chorei de bobo

Vendo tudo tão verdadeiro
Tão sincero e tão amigável
Achei até que faltava a tristeza
Daí ela veio, que aqui tem de tudo mesmo

Mas quá! Pra que isso!
Gracejo bom é o que ri de si mesmo
Bela vista, ta no alto...
Volta que a hora é passada

E voltando vem sentindo a coisa antiga
Mas ta mudada nesta maneira agora
E dá nova vida ao que tava morrendo
Que é assim mesmo que a gente vive

Voltei. Isso é certo.
Nunca duvide do poder do pouso
Que quem veio de cima
Sabe bem como é aqui embaixo

Vamos agora dar continuidade
Que a coisa ta ainda rolando
E vamos dar muita transparência ainda
Nessa história que é a nossa vida

Assim a história nos ensina...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Suporte quando Nada Aparece

À sombra da grama verde
Madeira e pedras que servem de abrigo
Descansar sobre o pelo de um coberto de folhas

Gigantes faladores fazendo de tudo para proclamar
Novas paisagens que afirmam-se conhecidas
Diurnamente brilham como quem pudesse agarrá-los

Noites que encobrem e completam a volta das estrelas
Sóis e sóis giradores neste universo de nada a dizer
Nada a falar, nada vivo

Muitas vezes são essas mesmos as condições.

sábado, 1 de novembro de 2008

Enraizando as Passagens

Na jardinagem dos brotos molhados
Com galhos por toda parte apontando
Mais força, mais terra, mais pegada dos tempos

É raiando nossos brilhos e nossas falas
Expurgando aquelas dores inoportunas
Acrescentando umas durezinhas pra acompanhar
Para lembrar do que somos feitos, por quem e como.

Fazendo festa, assim, assim mesmo...
Fazendo folia e recomendação
E voz ao coro de amigos
À amizade e camaradagem

Graciando minhas fazagens e feitos
Tentando mais uma escalada
Nesta vida de subidas perpétuas
De socorros e apuros
De sorrisos e levantes
De febre e furores
Da dimensão esta, nossa casa.

Lembro como era que quase me esqueço
Bisbilhoto um pouquinho o passado
Depois deixo isso pra lá, que é melhor, agora.
E assim penso o futuro

E o presente... como fica...
Ah! Fica fincadinho do aqui de hoje
E quem tirar precisão própria grava ele direitinho
Rompendo andamentos para agarrar o traço
Traço desta raíz enterrada
E enterra suas queixas

Bem a fundo, agasalhado na terra de sempre

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pegando o Coletivo...

Sinto um gosto de trabalho nas alamedas de ferro
Um tempero do agir humano, deslocado e em movimento
Pimenta dos dias de manhã sobria e escura
Do frio que faz o relógio que cedo nos desperta

Ouço a voz dos ônibus e pontos azuis na calçada
Ouço o clamor do trânsito e das buzinas espivitadas
O deixa-disso de brigas matinas e diuturnas...
Um emburra-emburra de vagões subterrâneos
Como cobras e lagartos...

Quero de novo o ar dos pulmões carinhosos
Que cá onde vivo só tem ar de café velho
E rodopeios de nuvens esquisitas que sobem de chaminés
Com seu semblante cinza a ponto de dar cores novas
E trazer olhos vermelhos, amarelos e verdes
À imensidão dos fornos em chama

Digo aos corações que bateram a mais nesta jornada
Que seus elos estão longe, onde quero não os vejo
E se a roupa do corpo cobre a vergonha e o assédio
Digo aos trapos que juntem as suas comendas
Que este desterro humano não está a venda
Antes que roubem os últimos remédios

Rompendo as amarras do vento que bate neles
Os andares vão caminhando rumo a mais um ponto batido
E os andares vagam por procurar consolo
Consolo amargo, vento, masso e pinga

Nesta vivência de meus anos
O jeito que temos de fazer de novo
É com o gosto daquilo que nunca temos mesmo, de verdade

É com força de vontade
E muita testa suada
Erguendo aquilo cujo escritório nos olha de cima
E olha com olhos de vidro e micro-filmagem

Com olhos de ultra-som

Vendo (eu vendo!) por dentro, um raio-x dos mais abertos e escancarados
Vendo (eu vendo!) o xeróx dos dias e das noites
Monitorando os segundos que passam irrepreendidos

Para lá, mais longe é
É nisso que queremos ir mais largo
Nisso tá nela a volta de onde estivemos
Para nela ir de novamente à voltas com onde fomos

É roteirando as voltas e as paradas
Que almejamos um dia ver onde chegar
E descer na estação, comprar um pão de queijo
Um café novo, uma bolacha

É nessa inteirada que degustamos a indigestão da nossa feitoria...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Bem ao Meio

Águas de julho e o vento que ela convidam
Uma prosa de dedos pois é muito frio este calor
E o chá fica gelado após cobri-lo com tanto ferro
O aguado do mês do meio que depois de sete primaveras dá inverno.

As fontes dessa natureza de paus e pedras, troncos e outras bugigangas
São ou parecem ser, mais velhas, mais novas, que muitos sonhos
Muitos cobertores

Parece que as águas do lado de fora são mais quentes

Parece escuro, ou claro sem luzes...

É danado de bão ver tanta cor com tanta falta
Que disso vem muita coisa bonita de se cheirar
E pegar com gosto e jeito que até surpreende

Surpresa!

Com um pouco de semelhança faz-se muitas coisas diferentes
Cortes que abrem mundos e mudanças no íntimo sujeito
E depois volta tudo como se tudo fosse mudado
E é mesmo, tal conforme

E os cortes sem pulso

"Pulsar! É isso!"

E só podia, hão de concordar...

Que pelas águas tal conforme
É muito jeito e muita pausa
E rinocerontes mostrando velhice
E sapiência de tão parados

As águas em julho ficam tão passadissas
Que verdejam de modo estranho
E dizem que são do meio, que tão no topo
Mas choram feito criança sem dente
Com dores e febres por canto
Sem falar, esbravejam
E disso são feito as metades

sábado, 25 de outubro de 2008

Adentrando Novas Clareiras

O apêndice que se segura perante o abismo
Metros e mais metros abaixo, soltos...
Uma mão que não agüenta, não tem forças
Um momento, um desespero, uma gota de suor

Um buraco tão abaixo que parece chão
E um zumbido do tempo passando
Os olhos fechando as esperanças
Guardando o fim para um instante de respeito
Secando aos poucos o brilho e a mágoa

É um poço, ó tristeza
Beleza e fumo em bosque tão belo
Orquídeas e petúnias, borboletas e macacos
Lagartos, bromélias, centopéias gigantes e gordas

Vida que envinha pelos cantos nos cipos do arrebatamento.

Que vida essa, é vida selva, selvagem e autóctone...
É liberdade sem instâncias, petições
É terra e lama fresca, viva!
Cheiro de chuva com terra que molhou de novo...
E mato e coceiras de floresta e arrepios de dia se envaindo...

É o toque dos passarinhos voando por cima das nossas cabeças
E os buracos foram embora
E eu caí nesta mata boa
E o tempo parou para descansar
E o chão chegou mais perto
A água voltou a correr, a brilhar
Os olhos se abriram

De novo petúnias, de novo macacos
Bugios, onças pintadas e cobra coral

É mensagem a todo momento, sem pressa, sem fermento
É tanta certeza que até dá tontura!

É vida, é vida mesmo...

É o suor da alma pulsando pelo resgate.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Uma culinária para sábado a noite

Socorro, Penélope!

Os ciclopes estão vindo, tudo devorando, tudo devorando!
As machadadas já não dão mais conta. Conta, conta tudo Penélope!
Os golpes de martelo... conta Penélope! O sangue e o sol, conta tudo!
Diz de onde vieram as suas marcas, seus bocejos, suas linhas do tempo e do espaço
Conta Penélope, nem pense em uma outra saída... apenas conta, conte...

Fala de novo, bem novamente, como fizeram para te convencer
Quanto custou o seu silêncio
Quantos votos a favor
Quantos contra
Quem deu mais coro, quem deu mais vento
Quem convenceu, quem venceu
Quem dominou o açúcar, que o doce já tá amargo
E o sol não descansou...

Então, o que foi que aconteceu...

Conta, Penélope

Diz aqui, agora, sem delongas e para todos: onde foi que se enganaram

Onde estava a confiança quando devia estar na casa de outrem
Onde residia o coração que não tinha casa e encontrou abrigo
Quem o acolheu
Quem o deturpou
Quem feriu e quem amou
Com que espada se cravou um corte fundo e certeiro

Conta, Penélope!

Não tem mais curva para esquivar-se
Não tem mais pressa para aproveitar
Não tem mais como nem tem por onde
Não tem "se esconde!", não tem "abaixa!" nem "alto lá!"

Conta logo, Penélope...

Já disse: os ciclopes estão vindo, tudo devorando, tudo amando!
Um olho parece pouco, mais tem gente tão cega que se orgulha de ter dois!
Quem sabe não tem uns com um que foi bem aproveitado...
Olha, Penélope: mira bem essa espingarda, viu...
Não preciona muito o gatilho. Só na hora certa, Penélope.

Na hora certa você conta, Penélope.

Não sei, não garanto que seja tempo ainda...
Talvez todos já saibam... e saibam de outra maneira...
Daí não sei se teu riso vai ter tanta graça
Se a piada não vai ter murchado
O sol fugido
O céu, se apagado
O sangue, se estancado
E de repente, os ciclopes não estaram tão esfomiados...

Satisfeitos e calados, talvez o tropa já bata em retirada
Se não há sangue para colher, não há mais festa, não há mais nada
Não há mais confissão, nem pecado, nem ilusão, nem cartiado ou solidão
Só sobrou este recado:
Vale a palavra de hoje, que a de amanhã é ingratidão...

Mas mesmo assim, Penélope... conta tudo o que queres...
Você precisa, nós todos sabemos... não há porque se esconder diante dos amigos
Conta Penélope, da maneira que lhe vier na telha...
Sem esquivas nem gingados, eles só escondem e não mais floreiam

Essa palavra, Penélope, é a sua alma.
Presa e trancada na figura de um passado joga à sua frente
Um passado que se antecipe quando você tenta falar

Essa palavra, Penélope, é a palavra de hoje.
É a que vale mais e vale agora...
E o que for feito dela, é sempre sacralizado pelos instantes passados...
De alguma maneira, há uma autorização
Um ser que se faz de autoridade...
Um sujeito que deixa as coisas como estão
Um homem que se encolhe, um monstro, um covarde
Um psico-drama e uma ressurreição

Há um quadro que deixa aberto todas as perguntas...
Mas agora não há muito o que ser questionado
Apenas fale. Conta, Penélope.

Onde estava você quando o fogo estava cruzado
Onde você se escondeu para não levar chumbo dos doentes
Qual foi a sua guarida... foi a coragem?
Ah... então, agora tá explicado.

Quantos bonecos foram feito Penélope...

São os teus ciclopes, vindo, devorando, amando e rangendo
Definhando conforme o passo se acelera
E você não acompanha e não consegue acompanhar

São os teus monstros, a máscara da coragem, fantasias de um baile velho
Uma valsa que já acabou
Um samba calado, de cuica quebrada

É a cachaça que perdeu o cheiro... a cerveja que ficou choca

São essas as tuas palavras, não é Penélope?
É este o mundo que tens por platéia...
O palco dos horrores e das delícias de ser humano.
A febre das paixões e das comossões coletivas
Das luas que aparecem numa noite boa
E brilham com força no céu que fizemos
E brilham com vida e estouro e chama e dor
E logo, quando vemos tudo isso à nossa frente
Vem um novo esclipse e desloco nossos sentimentos

Muda de vaga o nosso olhar

E o cheiro passa a ser outro... passa a ser apalpado... carne fria e conhecida.

São essas as tuas palavras, minha musa e minha cara...
Que belos tons elas trazem a tua verdade
Pudera fossem 100% autênticas
Seria tão bom a todos quem nada tivesse sido deixado de lado...

Mas o que tem é o que vale, não é mesmo? É o hoje, não é mesmo?

Pois que fique assim então!

Tudo feito, tudo devorado! Quem tiver mais fome, que procuro o fogão do lado...
Ou o mais próximo...
Que aqui está dado o nosso recado!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Minha Prosa Torta

Meu passo é torto e comprometido
Não dou ouvido àquilo que nunca ouve
Troco a delonga por um pé de couve
Saio fino e ligeiro enquanto ainda aguenta o porteiro
Abrir de amigo o portão encardido

Saio certo, ainda que ferido

Guardo a louça que brilha com gosto
Para lustrar os versos de minha prosa
Trazer para o baile as meninas da minha roça
Querendar os vestidos com chita e bordado
Trago o afago do ventre amado
Em minha entranhas
Estranha a liturgia

Nunca vou longe se não conheço cabo
Cabe somente aos grande esta travessia
Aos pequenos cabe o torto
Indireitando caminhos por vielas e vias

Moço jovem, moço menino
Desatino ficou para poucos
Somente os grandes, somente os loucos
Fazem as estradas, as ousadias

Homem feito, em feitura
Em remexo e remeleixo de caldão
Em fermento que é pequeno
Cresce formoso e cresce pleno
Tira veneno e revira o chão

Fazes belas, ruas e vidas
Lanhei para ver as avenidas
No prazer das calçadas e dos cidadãos
Custou chegar a esta guarida
Agora que cheguei, não abro mão

Se velho parece o que hoje eu falo
É que mais tem-se de bengala do que de olheira
Quem pouco viu acha tudo muito antigo
Até a prosa dos amigos fica chata e corriqueira

Olhando bem a prosa, vendo bem o que foi achado
É tudo como se acontecesse tudo agorinha mesmo
Desse jeito. Não tem micharia nem despreso
Nem quantidade que mais importaria
Nem mínimo que só fosse o autorizado

Não tem garantia nem garantizado

Somente o velho que fala do novo como antigamente...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Remetida Ladainha

Corre a solidão.
Por todos os campos e bosques que passam em nossas cabeças a todo momento
Corre a solidão.

Em todos os impérios do massacre à doença e o perigo da crença no apagado da espera
Corre imensidão
Nas ruas, nas favelas, nas esquinas, nos terraços, na pinguela, rio abaixo, rio acima, rio mourão

Segue o carrilhão
Trens que apitam, desnorteiam, reafirmam e insistem e demarcam e reclamam gratidão
É o poeirão

É o passado e seu amargo e sua doçura e sua loucura e têm brochura e têm Camargo e têm Lobato e têm Brandão
Jovens do quarteirão
Esperando a assembléia e mais uma prosopopéia e a Andréia que não decise se inside ou se não
Tanta indecisão

Mas é vida, mas é vida, não é posse, têm ferrida e têm tosse, mas guarida traz o peito e o porão
Vida de hermitão
Traz as velas, tragam os postes e os recortes, fortes e finos, os meninos com suas gingas e mandingas de valentão

Sonho de ser peão
Pois os caibros já trincaram, os asfato já racharam, caminharam os caminhões e só sobrou um buracão
Êita povo bão!

Destruiram, destruiram, disfizeram, acabaram, já mataram, já está morto, que desgosto, que paixão
Morreu nosso perdão

E choraram, como choraram, se lembraram, que arrependimento, que fome, que fome, que vento, ventania e inanição
Sendas da compaixão

E é dia, passou noite, apaga vela, volta o poste, que é dia, não precisa, não tem mais a precisão
Luz maior clarão
Levantaram, levantando, foi seguindo e buscando novo amor nas pradarias e padarias do trigo são

Leve como pão
Alimento levantado, fermentado e levedo e enredo e romaria e trigo da vida em camporão
Novo capelão

Levantando, levantado foi levado para o alto de assalto assustaram seus mendigos e botaram muita dúvida mas lembrava e têm promessa e têm vontade e têm jeito mesmo a maldade que mais bonito que sabido e o jeitoso e charmosão
É que tem cargão

Junto está e junto veio, no esteio, na morada, na tapera, no rincão
Velho de vazão
Pôr de noite, pôr de tarde, pôr de dia, que aguarde, sair dos pesos, voltar ao nuveiro que têm o meu sermão

Salto à imensidão
Salto à palavra
Gosto que encrava
E brisa que destrói
Fogo que corrói
É quente, é brasa
É fogueira e casa
Onde mora o quinhão

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Passeios no Parque do Novo Olhar

Há muitos tempo a filosofia procura
Pôr em atividade solene todo o nosso enorme pensar

Pôr em quadros, livros, becas, fórmulas...
A nossa imperiosa disposição de dar novo cabo e semeamento
Ao nosso familiaresco pensar

Traz peças de um museu desconhecido
Empoeiradas citações de uma gradiloqüência deslocada

Traduz para o vernáculo "adequado" o simples falar dos homens

Formula uma roupa nova, freqüentemente apertada a início,
Para vestir novos tratados, decretos, perambúlios e considerações...

Até que há alguma forma de momento ou compêndio temporal cristalizado,
Onde o apertado começa, lentamente, confortavelmente, a afrouxar.

E os sapatos não mais apertam como antes
As meias perderam sua característica ambientação
E o salão parece estar calmo, de repente
O abraço já não acaloura nem encomoda ou constange como já fora...

Alguns chamam de maturidade
Ou conformismo cego
Ou mudança oportuna

Eu não sei como o nomear
Mas sei que traz consigo os sinais de tempos passados
Os sinais de que o tempo não fora indiferente

Ele infuiu, influenciou, mexeu, rearranjou, bagunçou um tanto as coisas

E as coisas que nós falamos já se mostram e se declaram como outro objeto
Outra apreenção, um novo olhar, um colo mais macio, mais apetitoso, mais tênue e manso
Outra situação...

Eu sei que é as bandejas precisam ser lavadas
E que pratos são receptáculos daquilos que iremos devorar

Nesse hall de consumismo da última ervilha antes que o preço dispare
Há mais coisas que são usadas do que as tintas de nossos pincéis

Se um desespero ameaça aparecer, dê-lhe uma aspirina...
Que a mudança não foi tão ultrajante,
Desautorizada,
Infame,
Louca,
Devassa,
Transloucada,
E tardia
Como em tempos
Em que o câmbio próprio, íntimo, alternativo
Não encontra oferta nem procura
E o mercado obstrui o direito à livre palavra

Todas as outra formas de voltar a deslocar seus olhos,
Apenas realçarão paisagens bonitas, em detrimento de
Deixar órfã a feiura.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Autorização no Fundo da Vontade


Deixar a aparente leveza do sono
Pairando sobre as mentes, os milhares de pensamentos
Sintindo a alma em pulsação constante, ininterrupta
Aos olhos de si mesmo e às voltas com as idéias

O sono de um pensamento distante e inefável
Cristalizado em figuras, uma geometria estranha
Diversos passos e etapas, seguimentos
Para se chegar a um ponto final, uma suposta conclusão

Caminha, anda, corre
Os nossos dias que são de ouro
De uma assumida inquebrável validade
Uma vontade de acertas as contas com o momento

Esse adormecer de quando não se lembra
De um tempo sempre visto do passado
De um agora nunca agarrado, pego
Um tempo escapado e fugidio

Tal sono permanece nos nossos olhos
Marcando, revelando, descrevendo
Nossos atos, nossas impressões
Nossos desvios e efeitos imperceptíveis

Uma tundra, uma névoa, uma forte neblina
De emoções, de aparições, de lembranças e fatos
Desconexos, de algum modo muito coniformes
Coniventes, convencidos, testemunhados, silenciosos.

Tal sono dorme em nossas mentes no hoje e no agora
Dorme em nossos braços quando não se levantam e não se carregam
Dorme nas nossas pernas e nossas barrigas quando se deixam abater por fome e preguiça...
Dorme na nossa calma de desespero e inaptidão e não saber mais como nem por onde.

Nossa vida adormece em palavras que saltaram do trem em loucura e desrespeito
Um ultraje de que ainda não conseguimos nos desculpar
Ter força suficiente para assinar em baixo de todas as conseqüências
De todos os tribunais, todas as forças, todas as opressões mais sentidas e camufladas

Nosso sono é uma arma para a defesa de nossas falhas
Quando ainda não temos borracha suficientes para apagá-las da memória
Quando ainda não nos absolvemos da culpa, do dolo
Mesmo sendo verdade estarmos sob a égides de um juiz mais brando

A memória que temos do bando de imprecisões, de atraso e adiantamentos
De um descompasso de quem, evidentemente, não sabe dançar
E ainda insiste na dança da vida mesmo dando-lhe calos nos pés
Esta é nossa intransigência no seus mais belo motivo

Nossa alma que dorme mas que aprende no seu sono o valor do dia
Aprende no seu sono o valor das exigências, da ousadia
Do ir, fazer, ver depois no que resultou
Do acaso arrebatado e firmado em intensões e conseqüências

Nossa alma de palavras em volta e que dão várias voltas nos rodeios programados
Nosso litígio termina quando entendemos onde ele começa
Nossa dança se acerta, acerta o nosso passo,
Nossa música desperta e nosso canto sobressai

Esses dias caem belos, caem em sono mais contente
De ver que não é isto ou aquilo e repredendo sempre
É simplesmente um ser, um estar e fazer o feito e o cravo
Que nascendo das fantasias estão nossas potências mais íntimas e resguardadas
E nossa prática fica tão bonita quando, pra fora, não pedimos licença

terça-feira, 22 de julho de 2008

Nossa Composição Biotônica de Novidades

Depois de ensaios de tombo
E resistência custosa
De estrondos ocos, zumbidos
Anunciando desejos de queda
Apatia, pavor e presunção própria

Dizemos:

Pensam que somos feitos de pedra?

Não o somos.

Somos feito da penúria coletiva
Do fado que cantou nossas vitórias
Do choro que aguou nossas derrotas
Que sangue que marcou as nossas vidas
Somos feito de ferridas
Sicatrizes que testemunham
Facas e fortes, tiros que alcunham
Punhais e fendas nas frestas despercebidas
Nos deslizes do inimigo

Para que então nos venha a guerra
Travemos batalha e conspiração sincera
Façamos um teatro de vidas dedicadas
E imensas vontades de ser o que não somos
Ser o sujeito que vivemos
E requeremos para o nossos punho social
Pois que desse mingal e de outro amasso
Perguntamos com voz arroucada e nervosa:

Pensam que somos feito de aço?

Não o somos.

Somos o fruto que brotou de primaveras tardias
Somos a semente aparentemente vazia
Que surpreendeu, arrastou, deu rasteiras
Das indústrias, dos plantios, dos estreitos canaviais
Das peles encrostadas e carvoadas de cana
E terra, facão mais que muito do afiado
É dessa fonte que, mais hora, menos hora
Nós sempre surgimos
Nós sempre voltamos a estar como nos é devido

Se, então, crê que estamos loucos
Bêbados, transtornados de toda maneira
Nos mostre aonde está nossa eira, nossa beira
Que desta forma nós ficamos sem como
Sem traço neste quadro dos sentidos insatisfeitos
E rasteiramente subimos os morros que nos são devidos
Fazemos os nossos pedidos, fazemos nossas exigências
Formamos todas as nossas crenças
Num único formato de frente e partidos
Que nos aguardem as flores pois temos muito que agua-las
Temos muita água para destribuir
Rajadas de água sobre água sobre água sobre água ainda mais

Pensam, os senhores, não ser capaz?

Sim, sem dúvida, nós o somos

Não por estarmos prontos
Não por termos vivido
Não por nos terem dado
Qualquer migualha de ponte abaixo suja e vida

Mas por termos febre conosco
Por termos a grande doença contagiosa deste saber sabido
Por termos os punhos sociais da mudança e de segurar este barco
Somos o manete e a malha fina que cobre os tesouros
Cobre as esperanças
Cobre alegrias ébrias da qual não perguntam donde vinha

Esta malha fina e grossa a zelar todos os pertences
Para os dias em que febrerão o suor e esquantará o sangue
Verão que somos um mangue que drena as suas águas a fora
Águas sobre águas sobre águas sobre os enxertos

Virão que não somos a dureza antes imaginada
O medo falso que antes tinham
Somos muito pior que isso
Somos vivos até o último instante
O último cheiro de pólvora e de primavera
Que podemos guardar nos dentes

É disso que somos feito
Desta imensidão de motivos
Para cultivar estas moléstias até a última gota de soro
Para quarentenar nossos laudos até a última sentença necessária

E depois disso forjar as pedras e forjar os aços da nossas vidas

terça-feira, 15 de julho de 2008

Os Campos Esquecidos

Quem não conhece o campo
Nunca viu os verdes da grama orvalhada
Nunca sentiu as brisas de ventos novos,
Matutinos, madrugadas, cruvas de morro
Com tocos e barro, formiga, centopéias e cupinzeiros
Nunca teve criançado dos campejos vivos

Esses campos dão vida! Dão canções de fogueiras!
Dão pastos e bois livres, soltos, montaria de galope acima
Dão quereres e confissões de paixão, de liberdade, de amores surpresas!
Esses campos de minha vida que somem na distância da estrada
A esses campos eu voltarei tão preve quanto o atrito me permita
Voltarei para o almoço em fogão de lenha, para a conversa, cigarro de palha,
Voltarei pelo café da tarde, pela pinga e o queijinho, salame,
Meus Deus, o alimento encorpado desses campos nutridos!

A esses campos eu retornarei novo, de novo
Retornarei ao trabalho no curral
Tirar leite bem de matina
Tomar grapa juntos aos velhos colegas
De rumo seco por falta de chuva
Mas verde em pequenos ramos
Ramos de beirada, de distretude e inocência

Esses campos estão ainda gravados em minha memória
Deus queira eu nunca esquecê-los
Esses campos de folhagem e casas de barros e furo
Têm mais olhar os olhos das crianças
Um olhar horizontino de olhos negros, de lembranças
Dedo na boca, pensamento no alto
São criaturas de distância e bem pertinho
São seres que nos olham como quem nos perguntam

Esses campos nos perguntam até onde conseguimos
Deixar de fora tantas famílias, tantos brasileiros
Tanta terra, tanta terra, tanta lavra para lavrar

Esses campos nos voltam inquietações que a cidade reprimiu
Que as armas dos velhos de barriga tentam novamente afastar
Esses campos afastados do Brasil errante, de homens e mulheres e cana
Esses campos mato-grossenses, mineiros, goianos
Paulistas, paranaenses...
Esses campos nordestinos de uma verdade de cordel
E um recado de Lampião:

Nunca deixam que as Marias-Bonitas amamentam seus filhos na estrada
Que os caboclos nos olham em espreita e nos olham com verdade
Nunca viram campos como este, os homens que nunca falam
Nunca cantam, nunca querem, nunca se importam

Os homens do nunca-nunca, nestes campos tem um recado a vossa senhoria
Nunca pode, nunca tem, não tem jeito, não tem como?
Pois que esses campos dão seqüência assim mesmo
Não tem importância

Esses campos abrem as clareiras necessárias
Plantam seus feijão, arroz e milho
Plantam a vida que antes faltava
E agora sobra e tanta que mais se faz forte
Mais se faz viva, mais se faz presente
Para ninguém deles se esquecer

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Aparição do Não-Quisto

o tempo passou, e não houve que o escutasse
riram como tontos das piadas mal contadas
e não se deram à preocupação com o ouvidos

agora eis que acontece o inaudito
campanhas e mais campanhas de papel
letras, marcas, firulas, ponta-pés, socos
nas cordas, nos braços, nos timbres, melodia

cadê a música agora, senhores?
onde está sua soberania?

diga-me com quem anda a dama destes quartos
e me darei por satisfeitos de interrogatórios

a pressa tem sempre um novo dia, senhores.
a palma tem sempre uma nova flor
a vida tem sempre um novo ventre, senhores
e colo e peito e leite e afago
e dor

o tempo traz sempre um alfaiate à bordo
para costurar os remendos dos desperdícios coletivos
das horas em que se soube apenas fazer estupidezes
e calar a boca perante um silêncio fraco e idiota

costurem, senhores, as suas calças de folga
pois delas precisarão bem estreitas e atadas
bem de trouxas e afiveladas em cima
pois que o cinto cai ao soprar o vento agora
e amarrar ficou mais difícil do que antes
as calças deram uma folgada mediante um novo produto
produto das ancas e lancas de tranco belco das nádegas a flora
floradas nádegas de rosácea aparição horripilante e envergonhada

costurem bem estes segundos senhores
que vossas calças serão as únicas testemunha de tanta melodia

Uma Tinta de Preto nos Flocos e Gelo

Um passo no escuro
É como tomar um comprimido do nada
Ele não parece algo
Não nos lembra algo
Não nos fornece ou garante nada
E isso é o mais aterrorizante do escuro

Não é propriamente quem o escuro é
Não é dizer ou saber que o caracteriza
Do que ele é feito ou o que ele faz
Não interessa
Isso não importa

Importa ele ser escuridão tal como é

O escuro é o próprio passo que nele se dá
É a desmedida função e olhar de relento
É a névoa nos nossos pés descalços e nus
E tem o gosto de terra e cálcio
E dá um toque de frio
E medo, e fome, e dor

Mas isso mesmo só importa a nós mesmos
A quem mais importaria?
É tão íntimo, vê?

Isso é o escuro
É o próprio passo dos nossos meios de passar
E andar por aí sem saber aonde
Sem saber por isso como e porquê

Isso é o escuro
É mesmo o nosso jeito
Nosso ato
Nosso ir e vir de longe
Nosso olhar e imaginar tão claro o amanhã

Isso é o escuro
É o fado
É o canto
O vinho
Café
Cachimbo
Charuto

E a velha noite, uma dona velha
A velha dos chales pretos de nosso sorriso

E os passos de uma dança escura
E desconhecida
E sem saber o passo seguinte

O escuro é bem dançar mesmo...

O escuro é bailado que corre noite a dentro
O escuro é a cor da verdade aos nossos olhos
Dela dizendo que não sabemos
Sabemos pouco
Temos muito a sabiar

O escuro é como neve preta
Que gela por não ver o fim da tempestade
E das bolas de neve
Ventos
Mais ventos
Tufões de geada
E gelo e tornados imprevistos

E os vôo congelantes de curiosidade
Mesmos sabendo pouco saber
Voar
Passar por frio, esfriar mesmo, com vontade
E ficar bem calado, em meio ao frio de cores
É isto que nos adverte, um pouco mais adiante,
O frio do escuro em prosa

O escuro, quando se faz fala,
Daí ele mostra um pouco de sua forma
Mas é apenas em verso e letra, canção.
Mais que isso, não, tem não o escuro esse.

Só o som o sabejo de sabido olhar e medo e erro
O erro de escurar a se neste escuros dos passos geados
De pés e peles e pouco calor de sobrancelha e olho
Deste escuro de impregnar a gente

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Desconhecido é para quem Teme

Guarde os maiores mistérios das suas expectativas
Deles tu não precisas muito aqui, agora
Fique com o medo e a culpa nos bolsos
Do agasalho antigo e enxovalhado

Encobre suas frustações
Jogue ela de volta no baú de infâncias plenas
Raspe o fundo do tacho
Cole clips nas cartas de amor

Anexe suas palmas na lomba do castigo

Uive mais alto do que os gatos miam

Animais, somos todos, de alguma ordem

Somos gente, pessoas, seres de destacada natureza?

Somos bichos, de uma bicheza muito própria, particular...
Somos grilos em meio às folhas, orvalho, pedrinhas e terra suja
Lama, barro, poeirão de gado que passa ao largo sempre

E dentro disso somos nós, nós somos
Firmes e guardados seres de guarda
Fogo, madeira, força, nova pedra

Somos seres de brilho forte

Somos novos animais nesta selva de luzes

Somos novas vontades e mais criatividade em nós mesmos
Mais que isso, somos capazes, somos realização
Somos o pleno

Mas não o somos só...

Só o somos junto...

Pois como diz Riobaldo:
"Quem não quer saber de encosto,
Trate de não se encostar!"

E nisso está toda a grande receita

O mingau das vidas em luta e fogo

Batalha de aparições reveladas

Estalo dos seres de aurora e pôr-do-sol

Este é o legado dos sempre vivos, sempre vivos...

Esta é a guarda das emoções fortes
Esta é, meus caros, a nítida verdade do ser mais algo
Ser-mais, mais com os seres de leve e grande toque

É ser mais vivo que a morte!

terça-feira, 8 de julho de 2008

Chegou que Veio Vindo! Chegou Prumo!

Abriu campo nas praias verdes de rios pardos...
Abriu serras e onças pintadas e bichos de toda a sorte

Dez dias, onze noites... dormiram mais sono os gigantes neste inverno
Mas, ainda assim, veio dia e ainda mais dia
A escuridão relutou que foi muito, foi
Mas deixou o resto de vergonha, venceu medo de avexo

Dandou passar frio com os homens e escurecer em tons belos

Quedou amiga de passar tardes e tomar muitas

Abriu clareira neste vales de outrora amangada canção
Abriu leques de verdades e flores de vontades e saudades e amar...
Fez que do belo veio novo mas que novo veio fino
Veio velho, veio andino, veio mulher e moço e viola

Abriu fogueirão nestas palavras
Suave, suado assobio nos ventos livres
Foi onda de frio que foi-se embora e quebrou o canto para longe
Foi conchado de mar, que foi, foi espuma, onda, quebração

Quentou e que quentou bem que foi...
Sacudiu esqueletinho dos mais desprevenidos
Veio desse jeito, assim, como que estação
E moda e fuxico e anciedade e não se sabe mais

Tudo isso, rapaz, tudo isso.

Veio e chegou, tenha certeza.

E duração, disso não se fala

Mas marcação que tem é de foliada sensação de liberdade!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

As Palavras Exigem Passar


Uma palavra esconde imensos significados
Deixa calado o melhor dos discursos
Manda silêncio para os mais enaltecidos
Recobre de engasgo os mais exaltados

Uma palavra esconde nas letras um sorriso
Uma carícia, um doce, lembranças
Por detrás dos gestos, saudades
Vontade de voltar, sensível de passado

Uma palavra escamoteou nossas maiores dores
Deu e trouxe presente e dias de agora
Momento atual, cheio das atualidades
Deixou por rasteira o resto de instantes

As palavras também fazem escolhas
Aceitam ou desprezam a quem falar
Babam ou envergonham quem as fala
Passam os segundos como imunes, intocáveis

As palavras não admitem expressar tanto
Transmitir qualquer informação, qualquer bilhete
As palavras também têm gosto, vontade
Guardam seu azedo e seu açúcar

Uma palavras apenas já pode abrir mundos
Desencaixar aquele velho cadeado enferrujado
Soltar caminhos presos, a palavra
Desnudar a timidez chorenta de bondades

A palavra pode nos dizer de novo o que nós somos
Escrever recados por todo o nosso corpo
Pintar de preto a nossa cara
Fazer a cor branca do branco salpicado, torto

A palavra pede outros porta-vozes
Palanques de verdade e vozes de coragem
Pede meninos, flores, braços, pernas
A palavra pede hora! Pede vez!

A palavra engole pedras para construir o seu castelo
Absorve chuva para os rios de suas veias
Suor para o seu corpo
E sais para a sua alma

A palavra é calma
Quando calma se faz ela
É bela, preta, aguda, mandona
A palavra é proprietária

A palavra é uma farmácia para os pulmões da minha vida
É curativo, band aid dos meus calos
Esparadrapo de feridas antigas
Da cabeça, do peito, da perna, do coração

A palavra é minha última canção,
Última esperança
É o último trem da estação
O trem que me leva longe...

...para dentro do horizonte.

sábado, 28 de junho de 2008

Vai Passar o Carro Eleitoral!

Um brinde, meus amigos, à cretinice enrustida!

Um ode à vontade sacana de levar adiante toda semana,
Toda manhã, sorridente, com aquele ar de vitória,
Dizendo para si mesmo:
Hoje eu mato aquele leão!

Custe o que custar, eu mato o leão!

Um salve a nosso leão morto de cada dia!

Um minuto de vaidade em memória às nossas mentiras
À nossa indiferença e desgosto por se relacionar
Por ver que somos parte, somos o todo,
A despeito da má vontade, da má fé

Viva a má vontade das almas desamadas!
Delas está cada vez mais sendo o nosso destino
Nelas se encontram cada vez mais os nossos dessabores

Baixemos a cabeça
Pois é hora da passagem do cortejo
De canalhas na tevê

Aumentem o som, vai falar o seu ministro...

Vamos prestar bastante atenção na sua empáfia
Vamos decorar as entonações do seu roteiro
Vamos lembrar das suas promessas
Sempre e todas muito bem cumpridas, as sua promessas!

Cumpridas, longas, estensas...

Olhem para cima, meus cidadãos!
Olhem para cima!
Lá está ele, no alto do palanque,

Cá estamos nós.

Milhões de beijos e carinhos ao nosso prefeito
Sempre tão atencioso
Muitos vivas ao nosso prefeito.

Quem sabe nesse barulho todo podemos suspirar um pouco

Um suspiro
Um inocente suspiro
De ingenua admiração e medo

Um suspiro de morte.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Um Marcapasso Mais que Pop do Instante Vindo

Olhar para o passado nem sempre é complicado
Mais complicado que isso é olhar pro futuro
O futuro, com suas surpresas,
Suas perdas, posses...

Deve haver um jeito para fechar isso,
O futuro.

Deve ter uma maneira de passar para ele nossas ambições
Nossos pecados mais estúpidos
Deve ser possível uma reconciliação com o futuro
Deve dar trégua em algum momento, não é possível!

Dizem, ou ao menos já me disseram,
Que só vivendo mesmo
Mas, por outro lado, quantas previsões, não é?
Será que todas elas inúteis e inféteis?

Acho que não

Por isso eu torno a perguntar como pegar esse moleque
Pegar no flagrante
Com todos os seus planos ainda no forno
E ele ainda absorto de projeções que nós depois saberíamos

Daí ele via o que é bom!

Mas acho que não vai dar, viu?
Acho que não.

O futuro é tinhoso demais para um bando de esperançosos
Aliás, fazendo isso, nós jogaríamos no lixo todas as esperanças, né?
Penso que somos crédulos demais para tanta ciência
Tanta metafísica especulativa

Tanto banco e bolsa de valores.

Só queria uma coisa disso tudo, esse dito e chamado futuro:
Queria um tempinho para decidir meus sonhos
Meus amores e minhas plantas
Minha terra
Minhas estrelas

Queria um segundo antes de depositar meu brilho
Minha fé.

Um suspiro em contra a toda esta festa de pacotes e sacolas de mundo.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Então, tem poesia?

É apenas em algumas poucas ocasiões que se recita a poesia dos sons.

O que seria isto? Bom, veja bem...

É um pouco de ouvir a voz dos traços
Um certo baralhaço, um embaralhar (acho...)
Um embaralhar, arrumar de destacamentos,
Um aperceber de tato

É um tato partindo do ouvido
Capaz de tra,tra,trabalhar a noite inteira
É, sabe... coteira! coteira caindo sua água
Pingo, pingo, pin, pin, pa... pago.

Um pouquinho de s,s,s,s,s,serviço
De calma, é preciso calma,
Como? Pense redes... redes estendidas de espreguiçar

Um rebolar dos corpos presos
Das palavras seguradas, atadas ao papéis
Que em tinta têm cor, em rasgo vai letra, capote
Capote das letras, o som delas.

Tem que ser possível ouvir poesia.
Poesia que é som... sabe o quê?

Música!

É som.

Batuque em poesia
Batuque dez, nove, oito...
E vai! É batuque.

Pensa assim, ó...
Um,
S-k-r-a-tim-bum!

Igual aquele desenho...

Naquele desenho havia uma generosa dose de poesia

Havia uns jogados nas falas
Os personagens não falavam apenas para trasmitir
Passar apenas, de modos binomiais
Um grande e enorme binômio,
Não era assim.

Era um senso de alegria em som.
A alegria que cantava sem se passar
Sem ir mais do que ia
Sem valer de interrupções do sentido
Da mensagem
Era assim.

Então, tinha som.
Tinha som, sabe.

E a poesia de hoje - se é que temos poesia
Ah, a poesia de hoje é uma mudez que só vendo

A poesia hoje, bom, não pensa.
Age e sente como se pensar não pudesse.
Como se sentir não fosse pensar
Como se pensar não fosse sentir

É esta a tal moderna e contemporânea
Poesia de nossos tempos...

Sabe o que parece...
É que parece naquele revolta toda
Nós deixamos o susto vencer
Nós nos assustamos com tudo
E nos espantamos demais
Nos assombramos demais
Ficamos, com isso, meio cagão!
Sabe, o cagão? Esse mesmo.
Cagão.

Bom, esta é a nossa poesia.

Mas na verdade a gente não falava disso,
Né mesmo?
Falavamos de poesia e som.
Bom, poesia é som, não é verdade?

Mas, eu sei, deixe xingo para após,
Que eu sei,
Carece paciente ficar viu...
Paciente
Paciência? Só se for para ser paciente...
É assim a nossa poesia.

Então, poesia é som.
Tudo bem.
Mas é mais que isso
Ela se faz som, sabe como é?
Se faz.
Pretende
Poesia é pretenção
Não tem pretenção? Não é poesia. Não é.

Arrasta vontade... sabe disso?
Arrasta

Vontade, então... uns quereres de muito
Poesia tem disso também
Tem de querer e vontade mesmo
Desejo... de alguma forma

Mas é um desejo, assim, com som.
Desejo com musiquinha no ouvido
Desejo devagarzinho
Com vontadizinha...
Desejozinho...
Depois vai mais e cresce
Mas a poesia mesmo, de baixo, de começo
É bem devagarzinha mesmo
Desejozinho

Então cabe tudo isso, pois é.
Pois é sim.
Som, traço, jogo de riscos e rabiscos e papel.
Jogo, tem de ter jogo
Uma dosezinha, sem passar do ponto, de olho e olho.
Olho e olho, sabe aquele olhar?
Olho e olho, no olho mesmo
Aquele olhar de ver o outro
Saber que ele está ali, pronto e sabendo
E tendo som, ele está cantando.
Está rimando... e você, como está?
Sabe isso?. Pois é. Então é isso.
É o outro com o olho e o seu olho também nele.
É assim a poesia

Pois que então vejam
Resuminho pra facilitar, minha gente:
(viu, pus até dois pontos)

Poesia tem que ter conversa.
Tendo conversa tem tudo isso que falamos
Não tem conversa, então já foi...

Já foi mesmo.

Conversa, prosa, toma lá e dá cá...
Tendo isso, tá resolvido mesmo.

Tem poesia.

E, então, digo, em alto e bom tom:
Tem poesia?
E acho que tem.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Arremeço de Letras

Somos, por assim dizer, um grande ensaio,
uma grande apoteose de nossas colocações.
Somos, todos nós, formando um grandíssimo coro,
uma grande besta incapaz de ver ao ato de nossas ações a gravidade e a repercussão completa delas mesmas.
Somos a frieza da ignorância plácida,
conformada em continuar seu repertório manjado e mastigado de fadigas e contorções periféricas à essência de suas dores.
Não se pergunta com hombridade porque estamos a doer.
Não se arrisca uma resposta autêntica.
Apenas damos alguns diagnósticos sabidamente inóquos,
com o pretexto de acalmar nossas anciedades.
Se somos tudo isso mesmo que dizemos,
que confirmamos sempre que ameaçados por verdade-outrem,
então por que não provar de tudo isso?
Por que tanta etiqueta?
Qual a grande consequencia tenebrosa que pode nos acometer se agirmos de modo contrário, segundo o outro jeito,
o jeito diferente,
qual a grande ameaça?
Se somos incapazes de pré-dizer exatamente o que é esta coisa não nefasta e atormentadora, então não devemos dar a condenar estas outras possibilidades.
Somos forçados a uma ética de mentirinhas caso permanecermos com a tal prudencia patriciana da fidalguia despojada.
Somos dados a uma farsa universal.
Bom, se é essa a bestialidade insurreta, então deixe brindar quem queira; eu não quero.

Esconde-e-Esconde

Com que sentimento damos nome à nossas sombras,
Se dela queremos estrair passados lonjevos
E corriqueiras emanações das pedras que engolimos,
Engolimos sim, uma, duas, incontáveis vezes?

Como queremos denotar aparições e obscurandades,
E somos pegos de botija nos nossos atos,
Se somos também sombrios, ermos, turvos de toda sorte
Se somos apardados com verborragias criativas?

Por quê? Nós nos acreditamos de facto ruins?
Malévolos? Sórdidos? Despresíveis?
Será mesmo?...

Ou será que nos fazemos vítima dessas minutas todas?

Nas interpolações massivas da mente,
Na graça do pulular intempestivo de sortes,
Na ágida sorte de todos os desfechos
No macabro que mais parece um continuo métrico e rente

Mas nas assombrosas rememorações de hoje mesmo,
Estão guardadas as percepções mais honestas
As mais sintéticas percepções...
As obsolentes percepções de que não nos julgamos mal
Mas sim, falsamente

Tanta prosopopéia para dar um veredicto retórico
Juntas e mais assembléias de argumentos
Oratória atrás e depois de mais oratória
E uma alma escondida permanece como se encontra

Permanece a alma escondida
Não por timidez, mas por preguiça
Por segurança
Por falta de verdade assumida
Por falta de coragem

Permanece a alma assumida
Ela mesmo se agarra ao solo
Ao plantio de mentiras
E provocações e ironias orgulhosas

Permanece a alma e se enrosca
E aplaneia suas costas
Sobre o gelado da ofuscação
Do empoeiramento dos seus dias

Duro é dizer o contrário
É confessar todas as verdades
É ver e não baixar o rosto às potências
Próprias potências, potenciais

Calos e tornozelos
Os joelhos do espírito
Os requebrados incompletos
As beiradas...

Essas peças dão muita tremedeira em dizer...
Dá muita coisa junto, toda vinda...
Essas peças, elas não sorriem
Não dão pras nossas vontades com facileza

Essas peças da alma que doem
Essas partes, elas calam
Calam nossas vozes quando no dizer,
No dizer verdadeiro, dizer para fora

Esses arremendos de espírito nos cabresteiam
Nos pudoram
Nos fecham
Nos criptam...

Dá muita história lorotenta falar de falas dessas...
Mas dá pouca prosa falar o mais certo delas

Tem que lamear muito nas terras e nas águas barrentas
Para poder formar poço e guidaste
De modo a dar em arranco as partes da calada verdade
De modo a subir com elas para onde quer que seja

Tem que ter víceras nas vestes
Miudos de força para puxar água acima
No poço da verdadeira derradeira
Na verdade pura, fina, assaz

É essa a coisa que nos dá a expressão.
As expressões de tudo isto
É essa a coisa
Essa...

Então, meus leitores,
Venham de onde vierem
Voltem-se alguns dias da semana
Talvez do mês...

Talvez do ano,
Mas voltem-se a estas partes,
Pouco irrigadas da mente e do ar
Estes pequenos pulmões de vidro

Voltem a estas dificuldades,
Se as tem...

Porque caso não assim se faça então,
É caso este, caso seja...
Bom, então o mistério estará resolvido demais para os homens.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sonambulismo em meio à Cidade Vívida


São duas horas da matina

Já riscaram o fósforo?
É pouco tempo, muito pouco
Vai rápido! Espere, espera...

Já é hora de acabar com isso
Não deixe que te vejam, ouviu bem?
Não deixe que te encontrem!
Agora vá que já é tempo

Esses segundos passaram rápido demais...
Será que eles voltam?
Está tão frio! Tenho sono! Tenho fome!
Esta nossa era é de matar a todos...

Seguiu resposta? Ah, eu sabia!
Não se pode contar com o tempo, meus amigos!
Não se pode esperar algo dele
Olha só no que deu a sua espera!

Espera.. será que é isso mesmo?
Talvez ocorreu algum engano, nunca se sabe
Você sabe como são as coisas hoje em dia, uma demora..!
Olha, acho melhor você aguardar

Ora, que vão todos à merda!
Já é muito noite!
Hora de cama, de descanso!
Fiquem vocês aqui, pousando com esta arruaça!

Mas veja, não quero ser intrometido,
É que tem hora de escuridão mesmo
Sem muita escapada, meu caro
E então, já decidiu seu rumo?

Pior que já
Esse é o problema.
Continuar aqui, neste breu
Só pra loucos mesmo!

Mas daí a mudar, olha, eu não sei...
Muitos riscos, depois sempre se perde alguma coisa
Se arrepende, tem muito arrependimento
Depois não dá certo, dá errado, veja lá heim!

Por que você não faz assim: fique quieto!
Daí o tempo passa, como tem de ser
E tu permanece, não muda
Nem pára, segue junto invés...

Daí tu fica, entende?
E ascende o fósforo
Tem luz, tem brilho
Tem visão, ô se tem!

Daí tu agrada, sacou meu velho?!

E depois disso, meu caro amigo do peito,
Vê se dorme logo este sono de mil anos!

terça-feira, 17 de junho de 2008

Repressão e Leviandade

Quando ela revirou o doce da sua bebida
Remexeu o copo, num movimento de inibição interna
Lançou sob o líquido um suspiro de resignação indesejada
De auto-lamento e violação auto-recíproca

Era quase um pecado ver aquela boca menina
Tão magoada e jogadinha, deixada de lado
Ver a meiguice do seus olhos ignorada
Prejudicada e ferida por dentro

Em meio à tristeza que tão profunda sentia
Dei-me o direito de reparar correto
Na cor das suas bochechas, rosadas que estavam

Dei-me a prerrogativa da maioridade e observei seu rosto
Estava que um choro desmanchando a pele e as pálpebras
Transpirava a amargura de sua dor
Respirava fundo com pouco ar de consolo

Dei-me, por fim, a responsabilidade da correspondência
Juntei alguns papéis da vulso, formei um lenço
E estendi à sua mão, trêmula

Sua voz procurou palavras para um agradecimento
Mas o som tão rouco, abalado, mal pode refletir o intento
Seus olhos apronfundaram-se em vergonha
E eu permiti a nós dois um silêncio

Parecia-me que aquilo encerraria nossa cruzada
Por certo era o justo depois de tão longa penúria
Mas quem disse que o mundo vive de justiça

Sei que a menina, não tão menina assim (eram os olhos),
Ela tentou ser sincera com seu luto
Tentou retribuir apenas o comedido da gentileza
Pois não isso passou, e outro gesto me veio dela

Quebrando com a formalidade ridícula do momento
Aceitou uma conversa corriqueira, um papo à mesa, papo de bar
Diálogo que rendeu risada, goladas, empadas, e leve mal estar
Era a jogadinha da embriaguez - que delícia abraçar seu corpinho para apoio!

E ela jogava o mesmo, fazendo de apêndice meu peito para que escorasse
Estava determinada ao desfecho de turno
Não como maestra que disso vivia,
Mas como personagem que admirava e nunca se atreveu a tanto

Tantas chaves para abrir uma fechadura
Não havia me dado conta do dobro delas
E quando aberta enfim a porta
O estouro, o arrombo e queda em cima da cama

Me segurou as anciedades,
Me olhou com uma cara de mulher.
Rastejando tão singelamente
Seus lábios sobre os dentes
Mordendo apenas a pele

Essa mulher desnudou o seu passado
Fez corpo da sua alma
Fez música do seu sexo
Poesia da sua flora

Deitou, emparedou, encurralou a vida inteira!
Se justiçou dos deboches adquiridos
Manifestou vontade pura
Impura, juras e curas mais

Recebeu a vida como vestido transparente
E a adentrar os mistérios do seu próprio desejo
Ciceroneou as suas fantasias
Num drinque sobre a minha virilha

Pondendo me deixar mais perto, cheguei!
Adormeci parcialmente ao gostinho do seu sorriso
Realizada e lúcida
Pude enxergar a sua súplica

Era a culpa que por mim sentias
Uma culpa boba por ser mulher
E que saía dos poros do seu peito
Uma dor de querer e frear correntemente

Agora que estavas a me olhar cansada
Feliz, descabelada e aos cheiros de cor
Me contentei com suas lágrimas ao copo
Delas guardei os prazeres que promove a dor

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Espanto Medicinal do Fôlego

Este poema faz homenagem à todas a lutas, aos lutadores, às esperanças e às durezas que a vida reserva ao seres de aço e emoção...

Havia lá no alto, no alto de uma enganação
Um sabido moço que tanto sabia,
Sabia contos, sabia fatos,
Sabia mortos e também lembranças

Pois que então, estava esse moço
No alto da sua sabedoria
Pensando o quanto seria
Impune pousar lá embaixo

Pensava esse moço
Quão sujo, quão grosso
Seria sujar as meias
Nas pedras da infernosa multidão

Pensou e pensou mais um pouco
Até que, supreendentemente,
Decretou seu pensamento
E ousou sair do lugar

Que lugar? Ora!
O alto da sua sabedoria!
E agora, na sua homilia
Teria novos casos a confirmar

Afinal, esse moço,
Já tinha sabido e esposto
Tudo
O que havia de encontrar

Mas, na sua galantia
Sentiu o que presumiu
Que todos sentia,
E foi dizer mais um pouco
Do que sustentar

Pois, saibam vocês,
Que este moço sabido
Douto, Catedrático
E conferido
Foi dar com as aparencias
Onde elas estão de verdade

Viu onde surge toda a maldade
Viu os valores e seus juizos
Viu os guisos e as lantejoulas
Dos vestidos e das togas

Viu onde a vida advoga
Onde o homem come
E onde a fome espalha

Viu a navalha
Viu o clamor
Ouviu os gritos, xingamentos
Ofensas, injúrias, blasfemações...

E esse moço tão sabido
Reparou, constatou cientificamente
Que todos esses crentes
Dementes, pinéis
Tinham um ponto duro de ser mensurado

Teriam gráficos sórdidos de serem traçados
Teriam notas definhosas de rodapé

Este homem viu o cão da miséria e da imagem
Viu os loucos tendo palanque
E as putas tendo fiéis

Este homem viu a morte vulgarizada
Viu a vida estuprada
Viu a arte na calçada,
Ao revés

Este moço, agora homem
Depois de tanta espinhosa resposta
Olhou às costas o monte
Sábio, onde morava

Sentiu, sim, muitas vontades
Condenação, as vaidades
Clemência com retidão
Crença, superstição
Indiferença

Mas a maior delas foi a incapacidade

Olhou tanto que embarrou a vista

Não tinha mais o que tinha
Não era mais menestrel
Bacharel, sabidão das horas de tarde
Não era mais o mesmo
Não era mais capaz

Tudo que tinha era enganoso
Flácido, pantanoso
Fraco, burro, idiota, insagaz

Esse homem baixou mais baixo que folhinha de grama seca

Esse homem endoideceu

E o pior é o seguinte, moçada!

A vida seguiu passo a dentro
Passo e mais passo rumo ao velho
E a vida olhou aquilo com riso
Com sentimento de risada

De certo modo, era zombaria
Mas não aqueda escrachada de sadismo lacaniano
Era aquela de "pobre coitado, se fudeu!"

A vida, pela primeira vez, julgou este sujeito
Obteve contato com ele
O olhou nos olhos
Disse: "veja quem eu sou, cara-pálida!"
"Eu sou a plenitude transviada de fineza!"
"Eu sou a negação da sua síntese"
"E tu, tão trouxa, que nem isso fizesse!"

Coitado do pobre moço...
Ficou tão desolado
Mal-amado, mal-estudado, mal-menino

Depois desta coça
O moço enconta
E uma nova tentativa

Tenta recompor os cacos presentes
E os ausentes inventa desculpas
Faz ponto por ponto seu desenho
Espreme o restinho de empenho
E arde por guardar meia-culpa

O moço juntou de volta o passado
O que foi, o que passou
O que guarda e permanece
Mas se vai e embarcou

Nessa volta, uma desconfiança
Que a vida traga lembrança
Traga noites e mais noites
E marcas e solidão

Desta desconfiança, tenta hipóteses
Novas glosas para ajustar o desatino
Desatinado...

No pouco amor da vida em espúria
O moço tenta a volta à vida mesmo
Ser mais forte que o vento e a chuva
Ser mais humano que o valor enganoso
Maldoso valor aos homens ingratos
Os homens errados e chupins do nosso andar

O moço tenta a ousadia

O moço tenta o despertar matutino
Seis horas da manhã, à fábrica
Seis horas da tarde, à creche
Onze horas da noite, ao fogão
Zero hora de algo, à penumbra

O moço tenta a outra coisa, outro jeito
Alternativa, ah taí o nome!

É tentativa, verdade
Pode ser, pode não ser

Mas não tenta só,
Pensa e age junto, cai junto, dança junto
E isso transcende as mais altas da sabedorias
Pois do baixo de chão, pedra, poeira e pólvora
Nasce do asfato as flores experimentadas do novo
Do vivido novo que está a brotar

Da luta insolente, dos moços e moças
Da puberdade política
Do encanto e vulnerável
Desse molho que liga o pontos
Do nosso desenho

Da impertinência dos desagradáceis,
Brota as vinhas que abarcam toda a realidade
Todo o real
O belo, o velho, o novo, a trova
A mentira e a prosa
Dando vida, dando verdade
Dando mais capacidade
De voar ao alto dos altos
Às nuvens verdadeiras
E aos montes de terra,
Às montanhas condoreiras onde
Flor e homem sereneiam o ar compartilhado

É o ar dos altos sentidos e vividos
O alto da pedra e dos rios
Do movido em movimento dos mesmos
Dos seres de movida vida e frio
Que hoje calorece e caloreia
Os sóis em luta e chão e braço
É o sol em abraço

Multidão das certezas da vida

sábado, 14 de junho de 2008

Um Escândalo Resumido

Como num paço à frente

Te tomo em meus braços


Como galhos de uma velha árvore

Seivando seu corpo noturno


Como lebre que presa se encontra

Sustentada na força do meu impulso


Se suspiras e sussurras

É de baixo que eu te ouço


Aos gritos, galopes

Aos garros e atropelos


Insanidade de soltura

De febre e desgarramento


Impossível momento

De individual desprezo


Pois que te tenho comigo

Comigo jogas


Segue um lado à dentro

Um lado a fora, esquivar


E ungir de novo

As algas com que engasgas


E sente as asas

De um belo quebrar


Se te seguro firme

Bem atada, colado


E adentro rouco

Atrito e palidez

Grunhido e áspero

Se raspo as bordas, desmanchar


Tu tanto hesitas e escondes

Sem apelo, vou mais fundo


Munindo as armas de estrondo e do tiro

Aponto as lanças afiadas dos segredos


Sem piedade estanco ferimentos antigos

Lugares e lacunas não antes ocupadas


Se tentas formular uma pergunta

Uma queixa ou indagação


Reforço as grossas comandas

De um jeito mais ávido de ceifar os louros


Não deixo margem para desvios ao alvo

Apenas permito alguns arrepios momentâneos

Assim escandalizo seu charme e suas certezas

Umedecendo a terra nas mais profundas raízes


Dando ao seu cheiro um odor de nudez e mato

Como carrapato que não larga o bugio


Assim eu mostro como a dor tem suas delícias

E te encho de terror embelezado


Abrindo sua boca e sentindo o hálito e o medo

Nos seus dedos, o roxo da reluta em vão


Escondo suas pernas sobre as minhas

E outras passagens do meu manequim


Deixando frio pelas roupas ausentes

E fraqueza nos pés e nos ombros

Vasculhando escombros do seu corpo macio

Adentro os quatros e revisto as camisas


Rasgo e escolho suas vestimentas pobres

E dou aos cegos os bocados da sua gentileza

Horrorizando seus olhos e pensamentos

Assumo seus gestos e emoções

Trago para dentro as formas do seu afeto

Seu tesão e seu fetiche

Faço brincadeiras com seus sonhos e metas

Maldades com suas esperanças e ilusões

Eu mato o que te vive por dentro e por fora

Para que tenhas um tanto de mim para por no porta-retrato

E, desta forma,

Eu encerro a ultraje contra sua silhueta frondosa

E me guardo para futuras manifestações

As Primazias Caprichosas do Inútil

Embora a andança mais me lembre de uma permanência
Em um estado de camelo, carregando águas e caldas por onde rumo
Por níveis de inconstância ainda que provocada
Há enormes disparidades entre a passiva angústia e o raivoso impulso

Há enormes disparidades e dissonâncias, pois não há como parar para viver
Não há como parar com o ritmo, com o compasso, com o belo e o dinâmico
Esse momento dinâmico e muito cuidadosamente temperado
Esse momento meticulosamente amado, que é o viver

Então àqueles que procuram medir seus passos
Anteriores e seguintes, o antes e o depois,
Àqueles que gostam, que se deleitam em escravisar-se
Em torturar-se pelo sinal da retividade doida,
Bom, àqueles que mantém este comportamento
O tempo haverá de pacientemente repetir
E repetir, e repetir novamente
Seu jogo, sua ginga, seu traquejo
Até o ponto necessário
Para que estes cidadão
Vomitem todo o seu carrocelzinho tão precioso
Emporcalhem a roupa e o vestido de domingo
E depararem-se com a morte, sorridente, safada e graciosa
Sorrindo o desfecho óbvio e inevitável

Morrer é apenas a continuidade do princípio nascente
Viver é que transcende qualquer medida

terça-feira, 10 de junho de 2008

Suplício do Yuppie Moderno...


segunda-feira é um dia que não presta pra nada mesmo!
presta sim, mentira. presta pra dar raiva na gente!


segunda-feira serve pra deixar o organismo louco
pra ferver o sangue e esfriar o júbilo
pra dar tudo errado e fracassar em tudo

segunda-feira não devia ser segunda-feira
devia ser sábado, sei lá! devia ser nula.
podia ser velha, que daí morria logo
podia ser só.

segunda-feira podia ser morta
daí ninguém ligava pra ela
daí não tinha prazo que caía
não tinha prova, não tinha remédio
daí não tinha patrão

segunda-feira tem a capacidade
de marcar as pessoas, de abrir passagem
para raivas, broncas, erros, erratas,
para dar tristeza aos locais da alegria
e nutrir uma euforia de querer
querendo matar por vadiagem

segunda-feira tem jeito de algoz
de peão bruto, carrasco, capanga
tem um jeitão de gangue nova-iorquina
um convite à metralhadora giratória ambulante
cujas balas não escapam do alvo,
não erram destino
não desviam

segunda-feira sobra demais nas prateleiras
tem segunda-feira demais nesse mundo!
tá saindo segunda-feira pelo ladrão!
como que nem se podia pensar no domingo
nunca pensar no domingo, minha gente...
assim mesmo, desse jeito
tem segunda-feira causando tumulto
transtorno, agitação

segunda-feira é um diazinho cretino mesmo
nos acorda como quem nos espanca
nos cobra como quem nos atormenta
nos mede como quem nos tortura
nos fala como quem nos cospe
nos aponta como quem nos acusa
quem que pode, meu Deus, com a santa segunda-feira!
devassa pervertida dos apetites sádicos e vorazes
carniça de mendigos e defuntos do meio-dia

segunda-feira é avesso de alegoria
é dureza demais, real demais
é verdade demais para os que vivem de afeto
é negação e concreto
oh diazinho de empestiar quarteirões
de decretar quarentena
de matar multidões de pânico,
soluço, pavor e solidão
gastrite, enxaqueca, úlcera
pancreatite e depressão, doenças de todo o gênero

não fosse o dia seguinte, não haveria segunda-feira

não fosse segunda-feira, não salvaria o dia seguinte

pois dia após dia, tormento vêm, tormento bebe..

e segunda-feira mantém sob seu julgo todos os que difamaram.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Prosa de Areia

Vai passando, vai deixando, flor
Mandando embora barquinhos de sonhos
Vontades, desejos, anseios, recreios, e mais
Vai falando, flor, pois quem sabe menos fala mais...

Vai listando, dor, vai gemendo as cores dos corais
Vai ondulando e mostrando baixezas, ondas, espumas, mais
Recifes, Encostas, praias e enseadas...
Bisbilhutando por perfumes e pedras e pérolas mais...

Vai criando, amor, vai livre escrever à luz dos dias
Recitando os poemas e as poesias
Por ondas passar, também quero passar
Quero dar voz, dar beleza aos trapiches e aos recitais

Vai deixando, cor, pele, pigmentação e urucum
Tracejando listras e anéis dourados, riquezas, badalos
Jóias de estirpe, de devoção e louvor
Meros sinais de crença e obediência e carpindeiras e funerais

Vai pisando, norteando, apontando seus resquício...
Deixe que a fogueira matutina queime até o último galho
Areia de praia plena, deserta, coberta de sol e frescor
Brinquedo de mundo menino, rebelde, desatino, ao gosto dos maiorais

O Certo e o Errado


Se queremos um querer em um estouro

Então vale muito o que estamos fazendo

Vale contar calado os dias frios
Vale guardar segredo e dizer mentira

Vale jurar inocência e falar correto
Vale muito...

Vale voar com medo
Vale segurar a mão

Vale pedir perdão
Vale sorrir sem culpa

Vale a face oculta
Vale, vale sim.

Vale subir serra moço!
Vale, e muito!

Vale esconder canhão

Vale chorar de noite, menina

Vale cair da escada

Vale correr em desespero.

Vale dirigir embreagado

Vale contar a verdade.

Se o que queremos é vontade de susto
Surto, quase uma psicose...

Então vale mesmo, rapaz!
Vale muito!

Vale amar nos dias de emprego
Vale folgar aquela aula chata

Vale dizer palavras doces

Vale curtir a fossa vizinha...

Vale ser um ombro amigo

Vale cagar para a desconfiança

Vale chupar a núvens tortas...

Vale deitar sobre o cimento

Vale desnudar o claro do dia

Vale o pernoite com o obscuro...

Se é isso que queremos, mas se é isso mesmo...
Então vale toda a dúvida
Vale todo o medo
Vale todo o desencanto
Vale tudo de uma vez!

E vale tudo outra vez...

E se queremos tudo nessa mesma hora,
Então que venha tudo e nos tome soltos e náufragos

Pois nessa vida vale tudo para viver

Vale um maçarico quebrado
Vale uma captura mal-sucedida
Vale uma surra
Vale tortura

Se é isso que sabemos muito querer

Vale qualquer ato, por mais louco que pareça,
Para cuspir fora nossa hipocrisia.

Os Momentos de um Parto Vivo


O curioso de ser poeta

É ter aos seus pés zilhões de causos abertos
Cargas e mais cargas de momentos, fortunas
E sentir-se um tanto tolido mediante a brancura do papel

É mesmo um lado interessante da escrita, este.
O lado da pressão, da sensura, do calado
Parece uma piada, parece inexistir
Mas cai dia e nasce dia e ali este ele, o papel.

Lá está o papel, intocado
Deixando aos seus súditos a impressão de dormência
Assinalando, com seus detalhes próprios, o que quer deles
Mandando, desmandando, e opinando livremente

Então, é esse constrangimento que assume formas,
Formas lineares, lápis, caneta, pincel
Esse constrangimento,
É ele o autor das poesias

Uma vez reconhecido, dá-se a batalha de idéias
E saem tiros, canhões de bala fina
Cai sangue e suja o impecável escritório
Alguém vence nessa batalha, quem que é...

Pois então, depois disso
Depois de rolarem no chão aos socos
Aos murros
Então, poeta e sensura se amam

Ali no chão mesmo, sem constangimentos

E após algumas pernadas a dois
Surge clima suficiente para o auto
O conto, a crônica, a poesia...
Após essas idas e vindas dá ponto de escrever

E daí surge tudo...

Então, o mais importante é amar
Parece uma piada, provocação
Se for também não importa..

Afinal, nem mesmo os mais ranzinzas
Nem mesmo os mais azedos(as)
Nem mesmo os mais solitários seres noturnos
São capazes de escrever sem um amor

A poesia é, por assim dizer,
Filha de pais solteiros
Nascida naquele entrecurso repentino
Espontâneo
Não-programado

Mas que vem com toda a sua força
Exige responsabilidade dos seus mentores
Põe jeito e justiça a bordo, põe nos trilhos

Ajeita o devagamento que transgrediu os medos
Define o lugar das inseguranças e dos auspícios
Intromete suas vozes sob o olhar dos fiscais
E dá canto à vida quando se zomba da música

E tudo isso em um olhar de aresta...

Pois é claro que a poesia não ia se permitir sóbria
Nem recusar uma taça avermelhada de vinho

Mas daí temos o mais curioso de ser poeta
A sensação de impossibilidade e controle
Sobre os seus ímpetos de silêncio e de expressão

Daí temos o lugar da humildade
De reconhecer-se incompleto, de ver o afeto preciso
De notar a auteridade em si próprio
Mas vazia de significação

E deixando assim,
Lugar para outro, para outra
Lugar para amor e amor descabido
Deixando assim lugar para amada
Lugar para amar

Assim deixando, o curioso de ser poeta
Passa a ser a necessidade
Do diálogo interno se libertar
E ver nas flores novas um brilho diferente
Menos conhecido, mais atraente

Um brilho de olhar amendoado
De arrepios e noites frias
Noites à lareira e beijos ao cobertor

Daí o poeta torna-se gente mesmo
Homem feito, capaz
Mulher forte e sonhadora
Daí o poeta torna-se chão

Chão de onde há de brotar novas e vivas poesias
Cantos de alegria sincera, terra nova
Cerca velha foi a chão
E do chão começou um novo estado
Estado de estar poeta

Poesia de maioridade, madura e aberta
Olhando o passado por fatos
Uma poesia de verdadeiro poeta
Homem feito de tanto amar

sábado, 7 de junho de 2008

Considerações ao Pé do Copo ou da Varanda, em um Dia Levemente Esfriado

Amigo, preocupo-me em dizer-lhe algumas palavras.
É que, meu amigo, há palavras que inquietam até serem ouvidas
E depois disso, tanto faz.

É certo que os dias supreendem ao mais experiente companheiro
E que os segundos apenas aparentam passar iguais
Que as oportunidade são gracejos e insinuações
E as lembranças, um pouco de café e açúcar.

Mas, seja como for, independente disso
Eu quero assegurar e deixar claro
Que deixar o tempo passar, ignorar o nascer do dia,
Não interferir nos risos e nas noites..
Isso, não posso permitir

Para chegar depois ao sério e intocado tédio
Para brindar os anos de fartura e jovialidade plástica
Para guardar o bastião dos varões de 70 anos
Para isso eu lembro meus antecessores

A ponto de saltar do forno,
Pedir mais um copo com gelo e mais...
Com pernas livres para pular de canto a outro
E braços de swing e slow-motion...

É desta tal maneira, meu colega
Que quero alvejar e mesmo cristalizar, de alguma maneira.
É desta forma que eu desejo amar os dias finais
Os encerramento, o destrinchar da noite

Se é que desta forma fazem
O caminho a seguir daí para frente
Quero clarear o quarto para escurecer apenas,
Apenas depois dos olhos fechados

Quero sintir a música acabar aos poucos,
Instrumento por instrumento
E então abrir alas para outros cantores
Outros bailes de longa duração

Quero ver um raiozinho, uma fresca de lembrança
No momento que ela dar boa noite
Uma menina, apenas
Despedindo

E assim, meu companheiro, os dias terão o fim de mim
Os dias vencerão os trapos e as angústias
Vencerão as feras da dúvida e do remorso
Vencerão os infiéis

Os dias vencerão, meu amigo!

Estarão contigo até o último suspiro...

Mostrarão o que antes era inapropriado, sabe?..

E darão, esperamos, o deleite de conhecer este roteiro por completo,

Sem cortes, queixas e comerciais.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

A Precisão Fina e Vazia


O barulho do andar-relógio, aqueles com passos cronometrados
Com um passo, depois com outro, numa seqüência demarcadora,
Fundação, marco. É essa a impressão. Uma afirmativa categórica.

O resultado, tão logo, é aproximação, é vinda.
Programado destino de tempo, de passar das horas.
Cheio, compraz, convincente. Consenso em subjugar.

Tal o tempo, o definir de parada e retomar
O subterfúgio em números, álibis.
Advogados de um recalque atrevido..
Louco por apavorar

Louco por alongar, esticar os minutos mais um pouco
Alongar e puxar para mais, só por teimosia
Para deixar marca também
Deixar pegadas

Registrar, é isso. É isso e só.
Fazer próximo aquilo que logo irá para longe
Novamente, para longe vai
Solta e recompensa o perdido

Tal moleque perdido do grupo
Procura os demais, coberto de culpa
Coberto, assumindo o externo, é isso.
E encontra, afinal. O registro se faz verbo.

Dá voz
Fala, e vai
Tem seus segundos de fama
Depois leva para si o restante

E deixa prosseguir jornada

O tempo agradece a complacência
Afinal, é só assim que tempo vive e tempo morre

Passando, passando, deixando
Fincando o pouco quando o muito se acumula

É o tempo vindo mostrar suas capacidades
Mostrar o eu que nós deixamos
Deixado em nome do registro, o aplauso

O tempo que abandonamos em nome de estar.