terça-feira, 22 de julho de 2008

Nossa Composição Biotônica de Novidades

Depois de ensaios de tombo
E resistência custosa
De estrondos ocos, zumbidos
Anunciando desejos de queda
Apatia, pavor e presunção própria

Dizemos:

Pensam que somos feitos de pedra?

Não o somos.

Somos feito da penúria coletiva
Do fado que cantou nossas vitórias
Do choro que aguou nossas derrotas
Que sangue que marcou as nossas vidas
Somos feito de ferridas
Sicatrizes que testemunham
Facas e fortes, tiros que alcunham
Punhais e fendas nas frestas despercebidas
Nos deslizes do inimigo

Para que então nos venha a guerra
Travemos batalha e conspiração sincera
Façamos um teatro de vidas dedicadas
E imensas vontades de ser o que não somos
Ser o sujeito que vivemos
E requeremos para o nossos punho social
Pois que desse mingal e de outro amasso
Perguntamos com voz arroucada e nervosa:

Pensam que somos feito de aço?

Não o somos.

Somos o fruto que brotou de primaveras tardias
Somos a semente aparentemente vazia
Que surpreendeu, arrastou, deu rasteiras
Das indústrias, dos plantios, dos estreitos canaviais
Das peles encrostadas e carvoadas de cana
E terra, facão mais que muito do afiado
É dessa fonte que, mais hora, menos hora
Nós sempre surgimos
Nós sempre voltamos a estar como nos é devido

Se, então, crê que estamos loucos
Bêbados, transtornados de toda maneira
Nos mostre aonde está nossa eira, nossa beira
Que desta forma nós ficamos sem como
Sem traço neste quadro dos sentidos insatisfeitos
E rasteiramente subimos os morros que nos são devidos
Fazemos os nossos pedidos, fazemos nossas exigências
Formamos todas as nossas crenças
Num único formato de frente e partidos
Que nos aguardem as flores pois temos muito que agua-las
Temos muita água para destribuir
Rajadas de água sobre água sobre água sobre água ainda mais

Pensam, os senhores, não ser capaz?

Sim, sem dúvida, nós o somos

Não por estarmos prontos
Não por termos vivido
Não por nos terem dado
Qualquer migualha de ponte abaixo suja e vida

Mas por termos febre conosco
Por termos a grande doença contagiosa deste saber sabido
Por termos os punhos sociais da mudança e de segurar este barco
Somos o manete e a malha fina que cobre os tesouros
Cobre as esperanças
Cobre alegrias ébrias da qual não perguntam donde vinha

Esta malha fina e grossa a zelar todos os pertences
Para os dias em que febrerão o suor e esquantará o sangue
Verão que somos um mangue que drena as suas águas a fora
Águas sobre águas sobre águas sobre os enxertos

Virão que não somos a dureza antes imaginada
O medo falso que antes tinham
Somos muito pior que isso
Somos vivos até o último instante
O último cheiro de pólvora e de primavera
Que podemos guardar nos dentes

É disso que somos feito
Desta imensidão de motivos
Para cultivar estas moléstias até a última gota de soro
Para quarentenar nossos laudos até a última sentença necessária

E depois disso forjar as pedras e forjar os aços da nossas vidas

terça-feira, 15 de julho de 2008

Os Campos Esquecidos

Quem não conhece o campo
Nunca viu os verdes da grama orvalhada
Nunca sentiu as brisas de ventos novos,
Matutinos, madrugadas, cruvas de morro
Com tocos e barro, formiga, centopéias e cupinzeiros
Nunca teve criançado dos campejos vivos

Esses campos dão vida! Dão canções de fogueiras!
Dão pastos e bois livres, soltos, montaria de galope acima
Dão quereres e confissões de paixão, de liberdade, de amores surpresas!
Esses campos de minha vida que somem na distância da estrada
A esses campos eu voltarei tão preve quanto o atrito me permita
Voltarei para o almoço em fogão de lenha, para a conversa, cigarro de palha,
Voltarei pelo café da tarde, pela pinga e o queijinho, salame,
Meus Deus, o alimento encorpado desses campos nutridos!

A esses campos eu retornarei novo, de novo
Retornarei ao trabalho no curral
Tirar leite bem de matina
Tomar grapa juntos aos velhos colegas
De rumo seco por falta de chuva
Mas verde em pequenos ramos
Ramos de beirada, de distretude e inocência

Esses campos estão ainda gravados em minha memória
Deus queira eu nunca esquecê-los
Esses campos de folhagem e casas de barros e furo
Têm mais olhar os olhos das crianças
Um olhar horizontino de olhos negros, de lembranças
Dedo na boca, pensamento no alto
São criaturas de distância e bem pertinho
São seres que nos olham como quem nos perguntam

Esses campos nos perguntam até onde conseguimos
Deixar de fora tantas famílias, tantos brasileiros
Tanta terra, tanta terra, tanta lavra para lavrar

Esses campos nos voltam inquietações que a cidade reprimiu
Que as armas dos velhos de barriga tentam novamente afastar
Esses campos afastados do Brasil errante, de homens e mulheres e cana
Esses campos mato-grossenses, mineiros, goianos
Paulistas, paranaenses...
Esses campos nordestinos de uma verdade de cordel
E um recado de Lampião:

Nunca deixam que as Marias-Bonitas amamentam seus filhos na estrada
Que os caboclos nos olham em espreita e nos olham com verdade
Nunca viram campos como este, os homens que nunca falam
Nunca cantam, nunca querem, nunca se importam

Os homens do nunca-nunca, nestes campos tem um recado a vossa senhoria
Nunca pode, nunca tem, não tem jeito, não tem como?
Pois que esses campos dão seqüência assim mesmo
Não tem importância

Esses campos abrem as clareiras necessárias
Plantam seus feijão, arroz e milho
Plantam a vida que antes faltava
E agora sobra e tanta que mais se faz forte
Mais se faz viva, mais se faz presente
Para ninguém deles se esquecer

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Aparição do Não-Quisto

o tempo passou, e não houve que o escutasse
riram como tontos das piadas mal contadas
e não se deram à preocupação com o ouvidos

agora eis que acontece o inaudito
campanhas e mais campanhas de papel
letras, marcas, firulas, ponta-pés, socos
nas cordas, nos braços, nos timbres, melodia

cadê a música agora, senhores?
onde está sua soberania?

diga-me com quem anda a dama destes quartos
e me darei por satisfeitos de interrogatórios

a pressa tem sempre um novo dia, senhores.
a palma tem sempre uma nova flor
a vida tem sempre um novo ventre, senhores
e colo e peito e leite e afago
e dor

o tempo traz sempre um alfaiate à bordo
para costurar os remendos dos desperdícios coletivos
das horas em que se soube apenas fazer estupidezes
e calar a boca perante um silêncio fraco e idiota

costurem, senhores, as suas calças de folga
pois delas precisarão bem estreitas e atadas
bem de trouxas e afiveladas em cima
pois que o cinto cai ao soprar o vento agora
e amarrar ficou mais difícil do que antes
as calças deram uma folgada mediante um novo produto
produto das ancas e lancas de tranco belco das nádegas a flora
floradas nádegas de rosácea aparição horripilante e envergonhada

costurem bem estes segundos senhores
que vossas calças serão as únicas testemunha de tanta melodia

Uma Tinta de Preto nos Flocos e Gelo

Um passo no escuro
É como tomar um comprimido do nada
Ele não parece algo
Não nos lembra algo
Não nos fornece ou garante nada
E isso é o mais aterrorizante do escuro

Não é propriamente quem o escuro é
Não é dizer ou saber que o caracteriza
Do que ele é feito ou o que ele faz
Não interessa
Isso não importa

Importa ele ser escuridão tal como é

O escuro é o próprio passo que nele se dá
É a desmedida função e olhar de relento
É a névoa nos nossos pés descalços e nus
E tem o gosto de terra e cálcio
E dá um toque de frio
E medo, e fome, e dor

Mas isso mesmo só importa a nós mesmos
A quem mais importaria?
É tão íntimo, vê?

Isso é o escuro
É o próprio passo dos nossos meios de passar
E andar por aí sem saber aonde
Sem saber por isso como e porquê

Isso é o escuro
É mesmo o nosso jeito
Nosso ato
Nosso ir e vir de longe
Nosso olhar e imaginar tão claro o amanhã

Isso é o escuro
É o fado
É o canto
O vinho
Café
Cachimbo
Charuto

E a velha noite, uma dona velha
A velha dos chales pretos de nosso sorriso

E os passos de uma dança escura
E desconhecida
E sem saber o passo seguinte

O escuro é bem dançar mesmo...

O escuro é bailado que corre noite a dentro
O escuro é a cor da verdade aos nossos olhos
Dela dizendo que não sabemos
Sabemos pouco
Temos muito a sabiar

O escuro é como neve preta
Que gela por não ver o fim da tempestade
E das bolas de neve
Ventos
Mais ventos
Tufões de geada
E gelo e tornados imprevistos

E os vôo congelantes de curiosidade
Mesmos sabendo pouco saber
Voar
Passar por frio, esfriar mesmo, com vontade
E ficar bem calado, em meio ao frio de cores
É isto que nos adverte, um pouco mais adiante,
O frio do escuro em prosa

O escuro, quando se faz fala,
Daí ele mostra um pouco de sua forma
Mas é apenas em verso e letra, canção.
Mais que isso, não, tem não o escuro esse.

Só o som o sabejo de sabido olhar e medo e erro
O erro de escurar a se neste escuros dos passos geados
De pés e peles e pouco calor de sobrancelha e olho
Deste escuro de impregnar a gente

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Desconhecido é para quem Teme

Guarde os maiores mistérios das suas expectativas
Deles tu não precisas muito aqui, agora
Fique com o medo e a culpa nos bolsos
Do agasalho antigo e enxovalhado

Encobre suas frustações
Jogue ela de volta no baú de infâncias plenas
Raspe o fundo do tacho
Cole clips nas cartas de amor

Anexe suas palmas na lomba do castigo

Uive mais alto do que os gatos miam

Animais, somos todos, de alguma ordem

Somos gente, pessoas, seres de destacada natureza?

Somos bichos, de uma bicheza muito própria, particular...
Somos grilos em meio às folhas, orvalho, pedrinhas e terra suja
Lama, barro, poeirão de gado que passa ao largo sempre

E dentro disso somos nós, nós somos
Firmes e guardados seres de guarda
Fogo, madeira, força, nova pedra

Somos seres de brilho forte

Somos novos animais nesta selva de luzes

Somos novas vontades e mais criatividade em nós mesmos
Mais que isso, somos capazes, somos realização
Somos o pleno

Mas não o somos só...

Só o somos junto...

Pois como diz Riobaldo:
"Quem não quer saber de encosto,
Trate de não se encostar!"

E nisso está toda a grande receita

O mingau das vidas em luta e fogo

Batalha de aparições reveladas

Estalo dos seres de aurora e pôr-do-sol

Este é o legado dos sempre vivos, sempre vivos...

Esta é a guarda das emoções fortes
Esta é, meus caros, a nítida verdade do ser mais algo
Ser-mais, mais com os seres de leve e grande toque

É ser mais vivo que a morte!

terça-feira, 8 de julho de 2008

Chegou que Veio Vindo! Chegou Prumo!

Abriu campo nas praias verdes de rios pardos...
Abriu serras e onças pintadas e bichos de toda a sorte

Dez dias, onze noites... dormiram mais sono os gigantes neste inverno
Mas, ainda assim, veio dia e ainda mais dia
A escuridão relutou que foi muito, foi
Mas deixou o resto de vergonha, venceu medo de avexo

Dandou passar frio com os homens e escurecer em tons belos

Quedou amiga de passar tardes e tomar muitas

Abriu clareira neste vales de outrora amangada canção
Abriu leques de verdades e flores de vontades e saudades e amar...
Fez que do belo veio novo mas que novo veio fino
Veio velho, veio andino, veio mulher e moço e viola

Abriu fogueirão nestas palavras
Suave, suado assobio nos ventos livres
Foi onda de frio que foi-se embora e quebrou o canto para longe
Foi conchado de mar, que foi, foi espuma, onda, quebração

Quentou e que quentou bem que foi...
Sacudiu esqueletinho dos mais desprevenidos
Veio desse jeito, assim, como que estação
E moda e fuxico e anciedade e não se sabe mais

Tudo isso, rapaz, tudo isso.

Veio e chegou, tenha certeza.

E duração, disso não se fala

Mas marcação que tem é de foliada sensação de liberdade!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

As Palavras Exigem Passar


Uma palavra esconde imensos significados
Deixa calado o melhor dos discursos
Manda silêncio para os mais enaltecidos
Recobre de engasgo os mais exaltados

Uma palavra esconde nas letras um sorriso
Uma carícia, um doce, lembranças
Por detrás dos gestos, saudades
Vontade de voltar, sensível de passado

Uma palavra escamoteou nossas maiores dores
Deu e trouxe presente e dias de agora
Momento atual, cheio das atualidades
Deixou por rasteira o resto de instantes

As palavras também fazem escolhas
Aceitam ou desprezam a quem falar
Babam ou envergonham quem as fala
Passam os segundos como imunes, intocáveis

As palavras não admitem expressar tanto
Transmitir qualquer informação, qualquer bilhete
As palavras também têm gosto, vontade
Guardam seu azedo e seu açúcar

Uma palavras apenas já pode abrir mundos
Desencaixar aquele velho cadeado enferrujado
Soltar caminhos presos, a palavra
Desnudar a timidez chorenta de bondades

A palavra pode nos dizer de novo o que nós somos
Escrever recados por todo o nosso corpo
Pintar de preto a nossa cara
Fazer a cor branca do branco salpicado, torto

A palavra pede outros porta-vozes
Palanques de verdade e vozes de coragem
Pede meninos, flores, braços, pernas
A palavra pede hora! Pede vez!

A palavra engole pedras para construir o seu castelo
Absorve chuva para os rios de suas veias
Suor para o seu corpo
E sais para a sua alma

A palavra é calma
Quando calma se faz ela
É bela, preta, aguda, mandona
A palavra é proprietária

A palavra é uma farmácia para os pulmões da minha vida
É curativo, band aid dos meus calos
Esparadrapo de feridas antigas
Da cabeça, do peito, da perna, do coração

A palavra é minha última canção,
Última esperança
É o último trem da estação
O trem que me leva longe...

...para dentro do horizonte.