quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Uma culinária para sábado a noite

Socorro, Penélope!

Os ciclopes estão vindo, tudo devorando, tudo devorando!
As machadadas já não dão mais conta. Conta, conta tudo Penélope!
Os golpes de martelo... conta Penélope! O sangue e o sol, conta tudo!
Diz de onde vieram as suas marcas, seus bocejos, suas linhas do tempo e do espaço
Conta Penélope, nem pense em uma outra saída... apenas conta, conte...

Fala de novo, bem novamente, como fizeram para te convencer
Quanto custou o seu silêncio
Quantos votos a favor
Quantos contra
Quem deu mais coro, quem deu mais vento
Quem convenceu, quem venceu
Quem dominou o açúcar, que o doce já tá amargo
E o sol não descansou...

Então, o que foi que aconteceu...

Conta, Penélope

Diz aqui, agora, sem delongas e para todos: onde foi que se enganaram

Onde estava a confiança quando devia estar na casa de outrem
Onde residia o coração que não tinha casa e encontrou abrigo
Quem o acolheu
Quem o deturpou
Quem feriu e quem amou
Com que espada se cravou um corte fundo e certeiro

Conta, Penélope!

Não tem mais curva para esquivar-se
Não tem mais pressa para aproveitar
Não tem mais como nem tem por onde
Não tem "se esconde!", não tem "abaixa!" nem "alto lá!"

Conta logo, Penélope...

Já disse: os ciclopes estão vindo, tudo devorando, tudo amando!
Um olho parece pouco, mais tem gente tão cega que se orgulha de ter dois!
Quem sabe não tem uns com um que foi bem aproveitado...
Olha, Penélope: mira bem essa espingarda, viu...
Não preciona muito o gatilho. Só na hora certa, Penélope.

Na hora certa você conta, Penélope.

Não sei, não garanto que seja tempo ainda...
Talvez todos já saibam... e saibam de outra maneira...
Daí não sei se teu riso vai ter tanta graça
Se a piada não vai ter murchado
O sol fugido
O céu, se apagado
O sangue, se estancado
E de repente, os ciclopes não estaram tão esfomiados...

Satisfeitos e calados, talvez o tropa já bata em retirada
Se não há sangue para colher, não há mais festa, não há mais nada
Não há mais confissão, nem pecado, nem ilusão, nem cartiado ou solidão
Só sobrou este recado:
Vale a palavra de hoje, que a de amanhã é ingratidão...

Mas mesmo assim, Penélope... conta tudo o que queres...
Você precisa, nós todos sabemos... não há porque se esconder diante dos amigos
Conta Penélope, da maneira que lhe vier na telha...
Sem esquivas nem gingados, eles só escondem e não mais floreiam

Essa palavra, Penélope, é a sua alma.
Presa e trancada na figura de um passado joga à sua frente
Um passado que se antecipe quando você tenta falar

Essa palavra, Penélope, é a palavra de hoje.
É a que vale mais e vale agora...
E o que for feito dela, é sempre sacralizado pelos instantes passados...
De alguma maneira, há uma autorização
Um ser que se faz de autoridade...
Um sujeito que deixa as coisas como estão
Um homem que se encolhe, um monstro, um covarde
Um psico-drama e uma ressurreição

Há um quadro que deixa aberto todas as perguntas...
Mas agora não há muito o que ser questionado
Apenas fale. Conta, Penélope.

Onde estava você quando o fogo estava cruzado
Onde você se escondeu para não levar chumbo dos doentes
Qual foi a sua guarida... foi a coragem?
Ah... então, agora tá explicado.

Quantos bonecos foram feito Penélope...

São os teus ciclopes, vindo, devorando, amando e rangendo
Definhando conforme o passo se acelera
E você não acompanha e não consegue acompanhar

São os teus monstros, a máscara da coragem, fantasias de um baile velho
Uma valsa que já acabou
Um samba calado, de cuica quebrada

É a cachaça que perdeu o cheiro... a cerveja que ficou choca

São essas as tuas palavras, não é Penélope?
É este o mundo que tens por platéia...
O palco dos horrores e das delícias de ser humano.
A febre das paixões e das comossões coletivas
Das luas que aparecem numa noite boa
E brilham com força no céu que fizemos
E brilham com vida e estouro e chama e dor
E logo, quando vemos tudo isso à nossa frente
Vem um novo esclipse e desloco nossos sentimentos

Muda de vaga o nosso olhar

E o cheiro passa a ser outro... passa a ser apalpado... carne fria e conhecida.

São essas as tuas palavras, minha musa e minha cara...
Que belos tons elas trazem a tua verdade
Pudera fossem 100% autênticas
Seria tão bom a todos quem nada tivesse sido deixado de lado...

Mas o que tem é o que vale, não é mesmo? É o hoje, não é mesmo?

Pois que fique assim então!

Tudo feito, tudo devorado! Quem tiver mais fome, que procuro o fogão do lado...
Ou o mais próximo...
Que aqui está dado o nosso recado!

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