terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Desenrosco

Sério é o som das nuvens
Quando atravessam a mudez do céu profundo
Imenso o mundo
Para tanta miudez disfarçada

Nunca antes o homem vôo tão alto
Do que ao desprender-se de suas ambições
Nunca viu coisa mais bonita
Do que largar para traz uma vida de obsessivo apego

Será que alcançaremos?

domingo, 11 de dezembro de 2011

Prece dos Investigadores

Quando não via o próprio andar dos meus passos, Tu estavas
Nas horas vazias do meu sono diurno
Nas folgas de intrépido desconhecer
Tu acariciavas minhas dúvidas
Tu davas cor e tom às bélicas inquietações

Agora, em paz, como adorar-te, Senhor?
Como professar a boa nova, agora que tudo se fez calmo?
É preciso mais do que flores para manter um jardim vivo
Sou eu, nesse momento, quem recorda o passado

Não sei se posso dizer "creio"
Se tão logo concretizam-se minhas aspirações
Traio minha palavra na singularidade do seu significado
Como conciliar minha fé à fugidia vida que levo
Se, além de professar e além de crer, ajo, faço, provoco tantas modificações?

Por tudo isso rogo nesta noite a Ti, Senhor, não como crente.
Rogo como homem
Como mortal
Pois ainda que professe a vida eterna
É na vida que vivi onde reconheço quem eu sou

Se tenho mais anos pela frente
Um futuro que, ulteriormente, desconheço
"Amém"; "assim seja"
Não quero, entretanto, dar falsa promessa
Àquele que conhece minhas dúvidas melhor do que eu

Quero nesta noite Senhor
Ouvir, apenas, o som do silêncio
E me encolher na tumultuosa vida que destes
Aos intrépidos fiéis honestos o bastante
Para questionar os seus pecados

Quero ao meu lado, sempre, a força da mente que a mim conferiste
Para junto com a fé unir-me em sagrado matrimônio com minha graça oculta

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Aproveito para dizer!

Que coisa intensa é a vida!

Com suas angústias e feridas
Interrompe o curso de expectativas
Que teima de lançar micro-filme de recordações

Muito mais são as emoções!

Com dança e gingado... samba!
Requebrado...
Delícia de vida cruel
Cuja crueza crueldade esbanja bondade!
Alheia... bondade feia!

Gente boa! Ficar atoa, pra que?
Quem te cobra tanto?
Ficar de boa...
Canto! Sempre me aparece o vizinho
Sozinho... no chuveiro meu espanto

Léguas andarei atrás de ti vida!
Nunca querendo perder-te
Nos braços do meu destino
Brincando com minhas aventuras
Fazendo pouco caso dos desafetos

Direto e reto! Vou assim...


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Olhando por si mesmo

Serás culto, serelepe!
Altivo prenúncio da sua existência
Assim quis o pai,
Os irmãos todos concordando
Vale-me, tenha (tanta) paciência!

Não basta cuspir no mundo
Tem que tosquiar a cria
Verificar, minuciosamente
Os cacos escondido por trás do colchão

Nada pode passar em vão.

A vontade provocativa e ligeira
Fazendo casa nas curvas do raciocínio
Retomando origens e invasões
Ocupando espaços antes vazios
A vontade tem coragem
O medo é frio

Vitupério dos ogros da meia-noite
Por qual ébrios tomam as vozes dos doutos
Dando vazão a sua falta de caráter
Metendo-se na vida dos outros
Com escusas encarniçadas de vinho
Usando a natureza para se desculpar
Para pecar
Fogem de si mesmos.

A resguardada a vontade sai por fora
Não pode ser assim, mas é.
Horizonte e volta ao céu
Um monte
Indo e vindo percebe o véu
Atos não traduzem tanta grandeza assim
Melhor ficar silencioso
A calma das palavras pensadas
Deixa o tempo ir mais fundo

Sem essa constante quebra dos preceitos
É que deito olhando o sol
Brilha um brilho bonito
Que hermana-me com o mundo
Profundo que é o mar das vozes que ouço

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A mirada do pássaro

Várias coisas tomam nossa atenção, mas sem nós mesmos quedamos sós. O que fica de toda a interação frenética, as provocações e os desvios, cativantes e cativeiros, pode não ser nada, no fim das contas. Podemos embarcar em ilusões e viagens sem sentido a todo instante, sem nem mesmo nos darmos conta. O que resta de nós persiste encoberto, se antecipamos o derradeiro encontro com frágeis previsões. Continuamos sozinhos, imersos em tanta bobagem.

Pude contemplar hoje uma das raridades da vida, que ainda nutre os olhos com o vigor do som e do estardalhaço. Pude ver um pássaro mirando o horizonte, de pé, à beira da minha sacada. Ele se comunicava com outros pássaros, numa linguagem bela, oculta, privativa àqueles que compartilham com ele da mesma realidade.

O pássaro se manteve presente, no momento que o tempo lhe proporcionava. Não pensava no antes ou no depois. Apenas estava. E, assim, pôde viver juntamente com os seus. Lembrando essa história me atino para as tanta ocasiões nas quais me vi imerso em pensamentos, seguindo trilhas e mais trilhas, perambulando pelas ideias a fio. E quantas vezes estive com elas? Mal as tinha visualizado, elas fugiam. Assim me sucedeu tantas vezes.

A prisão dos sentidos e das ideias é tortuosa. Ela guarda várias rotas de fuga. Mas é preciso querer sair do cativeiro. Se cativados, somos captivos. Não exploramos genuinamente nossa morada. Percorremos caminhos, sem aproveitar a paisagem. Aprendamos com os pássaros, que miram o horizonte e com ele dialogam, olhando para si mesmos e enchendo-se do universo que, a cada instante e em cada coração, perpetuamente desabrocha.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Por entre a cidade

A cidade e suas intersecções...
Entre vias, avenidas; escondidas comoções
Escárnio automotivo, movido a gasolina, descaráter, falta de educação.
Transcorrer esses caminhos, parado, no trânsito das seis.
Rush por onde passam-se as horas, a contra-gosto do freguês.

Ando por São Paulo, mais rápido de que gostaria.
Meus pés seguem fixos: acelerador, freio, marcha e guia.
Sinto que pouco vi da última curva,
Passou por mim e por nós, todos, meio turva;
Aqueles que param demais na vida corrida que nos leva.

Adão e Eva, duvido tivessem pressa.
Tão calmas as eças do paraíso
Guiso dos ventos do delicado privilégio
Estar em paz, longe dos prédios, acompanhando os arautos do auspício.

Aqui, prédios e tédios se misturam, maculam-se a todo instante,
Como a construir um precipício.
Demora
O tempo que fica na beira da calçada, pedindo esmola.
Um trocado em favor da sua saúde, das crianças, pessoas por demais amiúde.

Ligeiramente, o motorista retruca em negativo.
"Não tenho nada" - diz; a cínica e sagaz resposta.
Não percebe - ou pouco importa - a sinceridade ali encoberta.
Afinal, na ilusão de ganhar a toda hora,
Instantes vivos vão embora,
Ficam, na incólume imagem da cidade.
Uma paisagem seca e deserta.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

As crianças e a nossa imprevisibilidade

Há nas crianças uma irresistível capacidade de desviar do óbvio. De seguir raciocínios e acompanhar conversas e explicações, e quando menos se espera, surpreender os adultos com uma conclusão, uma observação, um comentário, por vezes apenas uma exclamação, vocalizada no calor da experiência pueril, que simplesmente sai fora de todo o esquadrinhamento engendrado pelo discurso que se propôs inicialmente. Esses dias deparei-me com uma dessas situações. Estávamos, eu e minha namorada, com uma menina amiga nossa, quase uma mocinha (embora o diminutivo não lhe seja muito apreciado), andando de carro na Avenida Tancredo Neves, em São Paulo. A menina olha para fora do carro e avista a placa com o nome da rua, imediatamente dizendo-o em voz alta e com um tom instrospectivo: "Tancredo Neves...". Minha namorada em seguida comentou: "Foi um presidente do Brasil, que morreu..." sendo logo interrompida pela exclamação: "Ele tem muita neve, né!", vinda vocês podem imaginar de quem. Eu não pude me conter. "Com certeza ele 'ter muita neve' é bem mais interessante do que ter sido presidente do Brasil!", disse.

Revivendo aquele momento gostoso, fica cada vez mais clara a impressão de que além da associação "literal" - se é que foi isso - aparentemente feita, alguma coisa misteriosa se escondia naquelas palavras. Algo impenetrável a nós, adultos. Não tratava-se de uma resposta ingênua, mas, sinto, de um desprendimento de respostas prontas, daquela ideia de que a tudo acompanha uma explicação. Não pode haver conhecimento sério extraído do simples brincar com as palavras. Isso me inquieta, pois vejo aí, por detrás dos protocolos, uma atitude muito cínica. Que cargas d´água obriga a pessoa que escuta certa informação ou observa algum fato a intuir determinadas conclusões ditas óbvias? Por que motivo, e mais, com que certeza tratam-se de conclusões óbvias? Onde está a obviedade, ou melhor, para quem? Não posso deixar de sentir um certo revés nas circunstâncias quando deparo-me novamente com a exclamação "ele tem muita neve" e noto o quão concretamente óbvio é esta conclusão - afinal, nesse caso, o sobrenome surgiu com o intuito de denotar de uma qualidade do sujeito, tradição no século XVIII - muito além da "obviedade" padrão. E, ainda assim, a criança a diz sem soar redundante, ou talvez brincando com a própria redundância, aqui despida do preconceito com o qual costumeiramente é tratada.

Por fim, creio que esses eventos também nos mostram o quanto estamos abertos à própria imprevisibilidade da vida e das coisas. De alguma forma, o hábito de coadunar objetos a predicados - e a prazerosa sensação de poder que este hábito produz - denuncia nossa inflexibilidade frente ao auto-personagem que criamos. Um colosso irredutível, capaz de triunfar sob a dúvida em qualquer combate sem levar nem um arranhão. Uma miragem, daquilo que nunca fomos, nem seremos, simplesmente porque não nos deixamos ser o que, dúvidas a parte, somos: seres imprevisíveis. E daí precisamos de crianças para nos lembrar disso. Afinal, o que havia de mais interessante em Tancredo Neves talvez fosse mesmo a peculiaridade de seu sobrenome. A despeito do fato de que ele não trazia - ao menos costumeiramente - neve consigo. Mas que importa que não tivesse neve? Ele tampouco foi presidente do Brasil mesmo!


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Vamos retomar

Onde paramos mesmo?
Não me lembro mais
Faz tanto tempo
Tanta coisa
Tanto isso
Tanto aquilo
Tanto faz...

Eu bem que continuei vivo mesmo
Pois bem, recomeçar
Hum... ok. Mas de onde?
Ora, de onde paramos!
- o difícil é dizer realmente aonde foi que esse ponto se deu.

Na verdade, ledo engano imaginar que recomeçamos de onde paramos.
Onde paramos não existe mais.
Se parou, foi parado, já era meu!
A coisa parou e o mundo andou!
E eu? Andei ou parei?

Tá bom. Vamos esclarecer isso primeiro.

Eu andei, confesso.

Mas algo em mim continua lá.
Lá onde eu deixei e nem mesmo consigo mais encontrar.
Lá, onde estão todas as coisas deixadas.
Tenho posses por lá.
Posses que, se pensar bem, não mais me pertencem.

Pois então, me diz eu mesmo a mim (e a ninguém mais): o que reivindicas?
Qual a razão do seu protesto?

Os motivos, meu caro e tirano protótipo de certeza, são as sensações de descontinuidade.
São os ventos que ainda assopram depois de passados os invernos.
E a água? Não fez limpar as crostas de tempos atrás?
A água limpa, mas também congela.
E eu fico aqui pensando: por que mesmo tudo isso?

Essas voltinhas são foda mesmo.

Deixe-me colocar as coisas dessa maneira:
Recomeçar não é retornar, meu chapa.
Há nesse título um equívoco.
Mudá-lo? Não, creio que não. Não quero repreender o equívoco.
Nem o equivocado.
Apenas esclareço, para todos os efeitos, que o recomeço é um momento antigo
Um dia lembrado que nos dá bases para retrabalhar as palavras.
Afinal, ninguém aprendeu a falar ontem. Muito menos hoje.

Então, tenhamos mais respeito às coisas antigas.

E com elas, impreterivelmente, o novo precisa se reconciliar.