quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pegando o Coletivo...

Sinto um gosto de trabalho nas alamedas de ferro
Um tempero do agir humano, deslocado e em movimento
Pimenta dos dias de manhã sobria e escura
Do frio que faz o relógio que cedo nos desperta

Ouço a voz dos ônibus e pontos azuis na calçada
Ouço o clamor do trânsito e das buzinas espivitadas
O deixa-disso de brigas matinas e diuturnas...
Um emburra-emburra de vagões subterrâneos
Como cobras e lagartos...

Quero de novo o ar dos pulmões carinhosos
Que cá onde vivo só tem ar de café velho
E rodopeios de nuvens esquisitas que sobem de chaminés
Com seu semblante cinza a ponto de dar cores novas
E trazer olhos vermelhos, amarelos e verdes
À imensidão dos fornos em chama

Digo aos corações que bateram a mais nesta jornada
Que seus elos estão longe, onde quero não os vejo
E se a roupa do corpo cobre a vergonha e o assédio
Digo aos trapos que juntem as suas comendas
Que este desterro humano não está a venda
Antes que roubem os últimos remédios

Rompendo as amarras do vento que bate neles
Os andares vão caminhando rumo a mais um ponto batido
E os andares vagam por procurar consolo
Consolo amargo, vento, masso e pinga

Nesta vivência de meus anos
O jeito que temos de fazer de novo
É com o gosto daquilo que nunca temos mesmo, de verdade

É com força de vontade
E muita testa suada
Erguendo aquilo cujo escritório nos olha de cima
E olha com olhos de vidro e micro-filmagem

Com olhos de ultra-som

Vendo (eu vendo!) por dentro, um raio-x dos mais abertos e escancarados
Vendo (eu vendo!) o xeróx dos dias e das noites
Monitorando os segundos que passam irrepreendidos

Para lá, mais longe é
É nisso que queremos ir mais largo
Nisso tá nela a volta de onde estivemos
Para nela ir de novamente à voltas com onde fomos

É roteirando as voltas e as paradas
Que almejamos um dia ver onde chegar
E descer na estação, comprar um pão de queijo
Um café novo, uma bolacha

É nessa inteirada que degustamos a indigestão da nossa feitoria...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Bem ao Meio

Águas de julho e o vento que ela convidam
Uma prosa de dedos pois é muito frio este calor
E o chá fica gelado após cobri-lo com tanto ferro
O aguado do mês do meio que depois de sete primaveras dá inverno.

As fontes dessa natureza de paus e pedras, troncos e outras bugigangas
São ou parecem ser, mais velhas, mais novas, que muitos sonhos
Muitos cobertores

Parece que as águas do lado de fora são mais quentes

Parece escuro, ou claro sem luzes...

É danado de bão ver tanta cor com tanta falta
Que disso vem muita coisa bonita de se cheirar
E pegar com gosto e jeito que até surpreende

Surpresa!

Com um pouco de semelhança faz-se muitas coisas diferentes
Cortes que abrem mundos e mudanças no íntimo sujeito
E depois volta tudo como se tudo fosse mudado
E é mesmo, tal conforme

E os cortes sem pulso

"Pulsar! É isso!"

E só podia, hão de concordar...

Que pelas águas tal conforme
É muito jeito e muita pausa
E rinocerontes mostrando velhice
E sapiência de tão parados

As águas em julho ficam tão passadissas
Que verdejam de modo estranho
E dizem que são do meio, que tão no topo
Mas choram feito criança sem dente
Com dores e febres por canto
Sem falar, esbravejam
E disso são feito as metades

sábado, 25 de outubro de 2008

Adentrando Novas Clareiras

O apêndice que se segura perante o abismo
Metros e mais metros abaixo, soltos...
Uma mão que não agüenta, não tem forças
Um momento, um desespero, uma gota de suor

Um buraco tão abaixo que parece chão
E um zumbido do tempo passando
Os olhos fechando as esperanças
Guardando o fim para um instante de respeito
Secando aos poucos o brilho e a mágoa

É um poço, ó tristeza
Beleza e fumo em bosque tão belo
Orquídeas e petúnias, borboletas e macacos
Lagartos, bromélias, centopéias gigantes e gordas

Vida que envinha pelos cantos nos cipos do arrebatamento.

Que vida essa, é vida selva, selvagem e autóctone...
É liberdade sem instâncias, petições
É terra e lama fresca, viva!
Cheiro de chuva com terra que molhou de novo...
E mato e coceiras de floresta e arrepios de dia se envaindo...

É o toque dos passarinhos voando por cima das nossas cabeças
E os buracos foram embora
E eu caí nesta mata boa
E o tempo parou para descansar
E o chão chegou mais perto
A água voltou a correr, a brilhar
Os olhos se abriram

De novo petúnias, de novo macacos
Bugios, onças pintadas e cobra coral

É mensagem a todo momento, sem pressa, sem fermento
É tanta certeza que até dá tontura!

É vida, é vida mesmo...

É o suor da alma pulsando pelo resgate.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Uma culinária para sábado a noite

Socorro, Penélope!

Os ciclopes estão vindo, tudo devorando, tudo devorando!
As machadadas já não dão mais conta. Conta, conta tudo Penélope!
Os golpes de martelo... conta Penélope! O sangue e o sol, conta tudo!
Diz de onde vieram as suas marcas, seus bocejos, suas linhas do tempo e do espaço
Conta Penélope, nem pense em uma outra saída... apenas conta, conte...

Fala de novo, bem novamente, como fizeram para te convencer
Quanto custou o seu silêncio
Quantos votos a favor
Quantos contra
Quem deu mais coro, quem deu mais vento
Quem convenceu, quem venceu
Quem dominou o açúcar, que o doce já tá amargo
E o sol não descansou...

Então, o que foi que aconteceu...

Conta, Penélope

Diz aqui, agora, sem delongas e para todos: onde foi que se enganaram

Onde estava a confiança quando devia estar na casa de outrem
Onde residia o coração que não tinha casa e encontrou abrigo
Quem o acolheu
Quem o deturpou
Quem feriu e quem amou
Com que espada se cravou um corte fundo e certeiro

Conta, Penélope!

Não tem mais curva para esquivar-se
Não tem mais pressa para aproveitar
Não tem mais como nem tem por onde
Não tem "se esconde!", não tem "abaixa!" nem "alto lá!"

Conta logo, Penélope...

Já disse: os ciclopes estão vindo, tudo devorando, tudo amando!
Um olho parece pouco, mais tem gente tão cega que se orgulha de ter dois!
Quem sabe não tem uns com um que foi bem aproveitado...
Olha, Penélope: mira bem essa espingarda, viu...
Não preciona muito o gatilho. Só na hora certa, Penélope.

Na hora certa você conta, Penélope.

Não sei, não garanto que seja tempo ainda...
Talvez todos já saibam... e saibam de outra maneira...
Daí não sei se teu riso vai ter tanta graça
Se a piada não vai ter murchado
O sol fugido
O céu, se apagado
O sangue, se estancado
E de repente, os ciclopes não estaram tão esfomiados...

Satisfeitos e calados, talvez o tropa já bata em retirada
Se não há sangue para colher, não há mais festa, não há mais nada
Não há mais confissão, nem pecado, nem ilusão, nem cartiado ou solidão
Só sobrou este recado:
Vale a palavra de hoje, que a de amanhã é ingratidão...

Mas mesmo assim, Penélope... conta tudo o que queres...
Você precisa, nós todos sabemos... não há porque se esconder diante dos amigos
Conta Penélope, da maneira que lhe vier na telha...
Sem esquivas nem gingados, eles só escondem e não mais floreiam

Essa palavra, Penélope, é a sua alma.
Presa e trancada na figura de um passado joga à sua frente
Um passado que se antecipe quando você tenta falar

Essa palavra, Penélope, é a palavra de hoje.
É a que vale mais e vale agora...
E o que for feito dela, é sempre sacralizado pelos instantes passados...
De alguma maneira, há uma autorização
Um ser que se faz de autoridade...
Um sujeito que deixa as coisas como estão
Um homem que se encolhe, um monstro, um covarde
Um psico-drama e uma ressurreição

Há um quadro que deixa aberto todas as perguntas...
Mas agora não há muito o que ser questionado
Apenas fale. Conta, Penélope.

Onde estava você quando o fogo estava cruzado
Onde você se escondeu para não levar chumbo dos doentes
Qual foi a sua guarida... foi a coragem?
Ah... então, agora tá explicado.

Quantos bonecos foram feito Penélope...

São os teus ciclopes, vindo, devorando, amando e rangendo
Definhando conforme o passo se acelera
E você não acompanha e não consegue acompanhar

São os teus monstros, a máscara da coragem, fantasias de um baile velho
Uma valsa que já acabou
Um samba calado, de cuica quebrada

É a cachaça que perdeu o cheiro... a cerveja que ficou choca

São essas as tuas palavras, não é Penélope?
É este o mundo que tens por platéia...
O palco dos horrores e das delícias de ser humano.
A febre das paixões e das comossões coletivas
Das luas que aparecem numa noite boa
E brilham com força no céu que fizemos
E brilham com vida e estouro e chama e dor
E logo, quando vemos tudo isso à nossa frente
Vem um novo esclipse e desloco nossos sentimentos

Muda de vaga o nosso olhar

E o cheiro passa a ser outro... passa a ser apalpado... carne fria e conhecida.

São essas as tuas palavras, minha musa e minha cara...
Que belos tons elas trazem a tua verdade
Pudera fossem 100% autênticas
Seria tão bom a todos quem nada tivesse sido deixado de lado...

Mas o que tem é o que vale, não é mesmo? É o hoje, não é mesmo?

Pois que fique assim então!

Tudo feito, tudo devorado! Quem tiver mais fome, que procuro o fogão do lado...
Ou o mais próximo...
Que aqui está dado o nosso recado!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Minha Prosa Torta

Meu passo é torto e comprometido
Não dou ouvido àquilo que nunca ouve
Troco a delonga por um pé de couve
Saio fino e ligeiro enquanto ainda aguenta o porteiro
Abrir de amigo o portão encardido

Saio certo, ainda que ferido

Guardo a louça que brilha com gosto
Para lustrar os versos de minha prosa
Trazer para o baile as meninas da minha roça
Querendar os vestidos com chita e bordado
Trago o afago do ventre amado
Em minha entranhas
Estranha a liturgia

Nunca vou longe se não conheço cabo
Cabe somente aos grande esta travessia
Aos pequenos cabe o torto
Indireitando caminhos por vielas e vias

Moço jovem, moço menino
Desatino ficou para poucos
Somente os grandes, somente os loucos
Fazem as estradas, as ousadias

Homem feito, em feitura
Em remexo e remeleixo de caldão
Em fermento que é pequeno
Cresce formoso e cresce pleno
Tira veneno e revira o chão

Fazes belas, ruas e vidas
Lanhei para ver as avenidas
No prazer das calçadas e dos cidadãos
Custou chegar a esta guarida
Agora que cheguei, não abro mão

Se velho parece o que hoje eu falo
É que mais tem-se de bengala do que de olheira
Quem pouco viu acha tudo muito antigo
Até a prosa dos amigos fica chata e corriqueira

Olhando bem a prosa, vendo bem o que foi achado
É tudo como se acontecesse tudo agorinha mesmo
Desse jeito. Não tem micharia nem despreso
Nem quantidade que mais importaria
Nem mínimo que só fosse o autorizado

Não tem garantia nem garantizado

Somente o velho que fala do novo como antigamente...