quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Intervenção

Risco a linha tênue da intervenção

Apóstatas do passado
Que me ligam às esferas do “agora”
Sussurram no meu ouvido
Dizeres estranhos de outrora

“São seus deuses” – eles dizem
Novatos na arte de remarcar os passos
Extrapolam-se em meio às suas oportunidades
E acabam por não traduzir os seus atos

Por achar que é fácil decidir
Reverberam coisas antigas
Fazendo das suas cantigas
Fuligem de uma cantilena ultrapassada

Não pensam que o novo está à baila
Pensam que o novo é apenas o ricochete do que fizeram
Pensam que já disseram tudo que cabe ser dito
E que nada escapa à precisão de seus argumentos

Mas estes apóstatas do lamento
Não sabem mesmo do que estamos falando
Não sabem que estamos vivendo e que estamos amando
Apenas nos fotografam com seus juízos de play back

Disso estou confiante... pois “certo” é um termo esguio
Não se sabe se é quente ou se frio
Mas noites belas anunciam a sua alvorada

Importa apenas se é amada
Esta palavra que diz fazer mais com menos
Pois das cantilenas que um dia cantemos
Sobraram poucas certezas e poucas escadas

Importa mesmo é agir de novo
Porque o corvo abre suas asas apenas aos jovens de espírito
E aos velhos que ainda sorriem
Aos demais, ele fecha todas as chances de sucesso

Se riscando linhas eu ainda peço
É porque penso que dizendo um pouco
E chego lá, ao muito
Onde estão os egressos, que podem dizer que passou

E se de noite eu rezo
É porque o dia foi curto
E eu não me furto
De olhar de novo o que me tocou.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Um Gosto de Solidão


Sinto um gosto de solidão.
Não me parece amargo, tampouco sem sal.
Me parece lúcido, de sabor apimentado;
A solidão me parece experimental
Ouço vozes de lembrança
Coisa que já disse ou que ouvi alguém dizer
Retumbante e sagaz, me parece um gosto forte.

Como um prato feito em casa
A solidão que degusto tem um sabor caseiro.
Um sentido distante dos conchavos e das convergências,
Tenho por mim que ela guarda um teor autêntico,
Agraciado pela oportunidade,
O sentido de ser enquanto se despercebe a própria coisa.

Tenho por mim que ela reserva uma farta colheita
Com ossos e músculos robustos
Caules de grande envergadura
E ramos por toda a parte...
Ricocheteando seus galhos finos pela multidão
Tenho por mim que a solidão abarca todas as imensidades.

Justamente nesse instante só
Perdido no meio de tantos outros
Qual dificilmente se poderá distingui-lo
Penso que a solidão se sobressai, soberana.
Pois que enquanto todos nós estamos cegos
Alguns ainda têm um prato de comer
E muitos andam famintos de alteridades.

Mas se o momento exaltado pode mostrar um novo caminho
Tenho por mim que é grande a valentia de quem o segue.
Parado ou andante, é preciso ir adiante
É preciso ver onde se está firme e onde se está entregue
A solidão não é lisonjeira, mas também faz amigos
A solidão dá abrigo e dá sopa para beber

Aos que nunca tiveram com ela, que nunca a degustaram,
É plausível desaconselhar encontros fortuitos
Estes mais enganam que esclarecem
E terminam por machucar o aventureiro desavisado.

Para estar ao seu lado, é preciso uma entrega
Um pouco de sacrifício
E, certamente, uma disposição em esperar por seus requintes
Pois não importa se estamos em mil ou em vinte
Os seus colegas hão sempre de lhe adornar
Hão sempre de serem bem-vindos
De um lado a esperteza e de outro o desapego

É preciso sossego e paz na alma
Muita calma, fé e também amor
Pois sem estas virtudes raras
O camarada quebra a cara
A solidão não repara nem oprime
Mas há nela quem nos redime
E nos levanta com vigor

A solidão tem um gosto forte
São poucos os que de fato a apreciam
Mas doravante estes detalhes
Todos um dia a reverenciam
Zelosos em sua morte
A sete palmos do chão.