Quando ela revirou o doce da sua bebida
Remexeu o copo, num movimento de inibição interna
Lançou sob o líquido um suspiro de resignação indesejada
De auto-lamento e violação auto-recíproca
Era quase um pecado ver aquela boca menina
Tão magoada e jogadinha, deixada de lado
Ver a meiguice do seus olhos ignorada
Prejudicada e ferida por dentro
Em meio à tristeza que tão profunda sentia
Dei-me o direito de reparar correto
Na cor das suas bochechas, rosadas que estavam
Dei-me a prerrogativa da maioridade e observei seu rosto
Estava que um choro desmanchando a pele e as pálpebras
Transpirava a amargura de sua dor
Respirava fundo com pouco ar de consolo
Dei-me, por fim, a responsabilidade da correspondência
Juntei alguns papéis da vulso, formei um lenço
E estendi à sua mão, trêmula
Sua voz procurou palavras para um agradecimento
Mas o som tão rouco, abalado, mal pode refletir o intento
Seus olhos apronfundaram-se em vergonha
E eu permiti a nós dois um silêncio
Parecia-me que aquilo encerraria nossa cruzada
Por certo era o justo depois de tão longa penúria
Mas quem disse que o mundo vive de justiça
Sei que a menina, não tão menina assim (eram os olhos),
Ela tentou ser sincera com seu luto
Tentou retribuir apenas o comedido da gentileza
Pois não isso passou, e outro gesto me veio dela
Quebrando com a formalidade ridícula do momento
Aceitou uma conversa corriqueira, um papo à mesa, papo de bar
Diálogo que rendeu risada, goladas, empadas, e leve mal estar
Era a jogadinha da embriaguez - que delícia abraçar seu corpinho para apoio!
E ela jogava o mesmo, fazendo de apêndice meu peito para que escorasse
Estava determinada ao desfecho de turno
Não como maestra que disso vivia,
Mas como personagem que admirava e nunca se atreveu a tanto
Tantas chaves para abrir uma fechadura
Não havia me dado conta do dobro delas
E quando aberta enfim a porta
O estouro, o arrombo e queda em cima da cama
Me segurou as anciedades,
Me olhou com uma cara de mulher.
Rastejando tão singelamente
Seus lábios sobre os dentes
Mordendo apenas a pele
Essa mulher desnudou o seu passado
Fez corpo da sua alma
Fez música do seu sexo
Poesia da sua flora
Deitou, emparedou, encurralou a vida inteira!
Se justiçou dos deboches adquiridos
Manifestou vontade pura
Impura, juras e curas mais
Recebeu a vida como vestido transparente
E a adentrar os mistérios do seu próprio desejo
Ciceroneou as suas fantasias
Num drinque sobre a minha virilha
Pondendo me deixar mais perto, cheguei!
Adormeci parcialmente ao gostinho do seu sorriso
Realizada e lúcida
Pude enxergar a sua súplica
Era a culpa que por mim sentias
Uma culpa boba por ser mulher
E que saía dos poros do seu peito
Uma dor de querer e frear correntemente
Agora que estavas a me olhar cansada
Feliz, descabelada e aos cheiros de cor
Me contentei com suas lágrimas ao copo
Delas guardei os prazeres que promove a dor
terça-feira, 17 de junho de 2008
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