quinta-feira, 29 de março de 2012

Sabatinas de um Burguês

Reunindo milhões de bugigangas
Sinto-me empapuçado de quinquilharias
Fornecido com dezenas de notas frias
E sem ter onde as depositar

Vestido de homem dócil
Com terno e gravata, faceiro
Levo minha pasta no bagageiro
Das intenções de onde lavar

Porque fui ter com aquele forasteiro?
Aonde isso pode me levar?

A dúvida arrasa qualquer tentativa de golpe ligeiro
Uma vez que dá margem para se pensar
Pensando eu não me entrego por inteiro
Não ao menos para o que preveria demonstrar

Mesmo assim, dou conta da próxima conta
Arrumo um jeito de desfarçar
As pequenices de uma travessura rebende
A perversão que melhor seria aniquilar
A rude sensação de um dia inóquo
O mal-estar

Tudo o que me cincunda não é concurda como eu
Nada paga o que esse gosto me deu
Sério, douto, Couto da Silva
Dona Dailva bem me conhecia
Será que ela colocaria no nome da tia?
Preciso arranjar uma desculpa
Para perpetuar desapercebidamente minha culpa
Deixando de lado a sobriedade do julgamento
Como quem dispença no whisky o gelo
Melhor tê-lo quem se dispõe a rodopiar

Eu preferia ir direto ao ponto
Porém não ao meu; isso me deixa meio tonto
No meu caso preferiria descançar
Essa ideia de caça às bruxas
Estrúchula visão de justiceiro
Porque eu quis tomar o país inteiro?
Eu nem conheço meu quarteirão!
Quanto vale hoje em dia o pão?
Onde tem um cinzeiro?
Preciso de ar nefasto
As rosas me deixam sem cheiro

Depois eu vejo o que faço
Compro latão e vendo por aço
Algum estilhaço de alto valor
No mercado de quem tem amor
Ao outro e não a si próprio
Pois é um tanto impróprio
Importar-se com si mesmo
Ou com quem não tem importância
Que trantand0-se do povo
Em toda sua insignificância
E como voltar para o primeiro

Chame o porteiro!

Eu quero sair
Não vou mais ficar
Para me sujar?
Tô fora!
Tô Dora, tô Alice, tô Janice e todas elas
As belas que um dia deixei
As mulheres que enganei
Tudo o que cuspi de lado

Fecho esse recado
Olhando a rua pelo fim
Vê se esquece de mim mundo
Eu tô demais arruinado!

Mensagem para a Semana Santa

Um cristão é alguém que acredita e vive a loucura do Cristo. Seus olhos não estão fixos na Cruz, mas no Deus que nela triunfou, que ela venceu. Triunfou sobre a morte, nos diz as Escrituras. Mas que morte? Pode Deus viver e morrer como um mortal?

A vitória do Cristo nos provoca a aceitar como verdade em nossos corações o que os olhos não aceitam, o que a mente duvida, o ouvido estranha, o juízo desaconcelha. Nos provoca a abrigar em nosso ser a convicção de que há um Deus que vive ontem, hoje e sempre. Que nada desse mundo transitório - assim como nossa existência terrena é transitória - abala a verdade que Ele instaurou. E que, portanto, para compreender esta verdade eu preciso me voltar a Ele, não aos meus sentidos, não ao que vejo, não ao que penso, não ao que ouço, não ao que julgo ser certo ou ser errado. Essas coisas têm sua serventia, mas não vão me levar a Deus.

A vitória do Cristo nos provoca a depositar nossa confiança na Fé. Porque a Fé tem compromisso com Deus e com nada mais. Porque a Fé é o meio pelo qual eu, como ser humano, preso à carne, consigo estar com Deus. Se procuro Deus de outra maneira, pelo que me disseram que Ele era, pelo que me disseram que ele fazia, o que ele dizia, e tal e qual e tudo o mais, deixando de lado a Fé, não vou encontrá-lo. Posso aprender várias coisas, a história da religião, da Bíblia, os ensinamentos de Cristo, a cultura do cristianismo, sua influência nos valores da cultura brasileira. Mas Deus eu não consigo encontrar desse jeito.

A vitória do Cristo nos provoca a elevar nosso espírito para além das aparências, dos julgamentos, das impressões, do "eu acho isso", "eu acho aquilo". Não que a gente não pense, não tenhamos ideias próprias, que a gente não seja livre para pensar ou agir como quiser. Mas porque queremos pensar e nutrir nossos pensamentos com os ensinos da nossa Fé, das Sagradas Escrituras, do Deus Altíssimo, do nosso Salvador, de tudo o que aprendemos sê-lo, que sentimos ele responder para a gente, no coração, na alma, no espírito. E porque queremos agir e levar adiante iniciativas que perpetuem sua mensagem, o legado de um povo que conhece a Promessa que Deus o fez. Porque queremos, e o queremos com a Força que Deus nos dá para adorar, para glorificar seu Nome, para viver a nossa Fé.

Então crer em Cristo não é para qualquer um. Não. Não é de qualquer jeito. Não é apenas dizendo que está com Deus, que conhece sua Palavra, que vai à igreja, que paga o dízimo. Isso será consequência de uma vida devotada à relação íntima e louca com Deus. Uma vida estranha para quem não sabe do que estamos falando. Que desconhece essa relação, essa confiança, essa Fé que surge da Graça de Deus, do seu Poder, e do seu Amor por nós.

Deus amou o mundo de tal maneira que Ele se fez carne, viveu não só o que vivemos, mas também - e principalmente - o que nenhum de nós conseguiria viver! E tudo isso para que nos aproximemos Dele e possamos consagrá-lo em nosso coração, que possamos viver com Ele, dia após dia, até a consumação dos tempos comuns e o completo estabelecimento do seu Reino de Glória Eterna.

Portanto, meus amigos e meus irmãos, vamos nessa Semana Santa olhar bem fundo para nossa Fé e ver no que estamos acreditando. Em que estamos depositando nossa Fé. Se é nas coisas efêmeras, nos detalhes corriqueiros, nos compromisso diários e mundanos, que por mais importantes que sejam são frágeis como frágil é a vida humana, e que merecem atenção e zelo, mas sem permitirmos que isso nos distraia da Face de Cristo. Que possamos olhar para meu irmão e minha irmã e ver Cristo Jesus ao nosso lado, nos desafiando a aceitá-lo e aceitar a loucura da sua vitória.

Que Deus nos abençoe, nos perdoe e nos dê a Vida Eterna,

Amém.

terça-feira, 27 de março de 2012

Água e letra na feitura do dia

Na luz das imanações existentes
Sombra e água diluem lentamente
O minguada ideia de isenta autenticidade
Cada raio da cidade
Atravessa pressentimentos
Arranca das espectativas
Um sorriso de acaso
Ou desconhecimento da causa
E prévio jogo do perigo

As quadras encaixam-se perfeitamente
Naquilo que seu projetor desejou
As pessoas, mais redondas por natureza
Não ficam quietas com essa geometria
Seus traçados tem mais ângulos
Suas curvas mais vontade
Seus beijos menos pudor

O semblante torridamente sério
É demais ridículo para ser válido
Se valor é o que trazemos conosco
E esse azedume, o que nos acompanhou
O preto no branco dá nova cor
Não adianta enbraquecer ou escurecer tudo
Pois preto é o tom da conversa
Quanto, mais sábia, a festa vem nos dispor
Vem contar suas saudades
De um tempo que não foi de verdade
Mas de faz de conta ele nos guardou

Na luz das emanações mais finas e claras
Ofusca-se o leitor
O mestre perde a fala
O aluno, o sabor
Diagramando seus enunciados
Esconde os pecados e quem os gerou
Gloficando o passado
Deixa vazio o futuro e quem o encontrou

Belas são as pessoas que silenciosamente ou autivamente formam um coro híbrido e livre de amor, de dor e dispor
--- Que as manhãs sintam nosso calor...

sábado, 17 de março de 2012

Como é isso: gente?

O mais difícil de ser gente ainda está por ser descoberto. Qualquer ser mortal desconhece, enquanto vive, o ponto-limite da dor. Isso precisamente porque vive ainda, e ainda é passível de deparar-se com algo pior do que já experimentou. O discernimento que torna possível a depuração da contingência humana se sustenta no inexplicável pressentimento de que o pior ainda está por vir. Nisso, o otimista diz: rejuvecenemos nosso ânimo, afinal até aqui tivemos encontro apenas com o familiar, por pior que tenho sido. O que nos atravessou até o presente instante recebeu, do corpo e da ótica, o nosso visto.

Mas o que dizer das coisas que passaram por nós, e ainda sentimos não tê-las apreendido? Sentimos que delas temos ainda o que dizer, o que sentir, o que pensar e tanto mais. Na eminência de que o mais difícil de ser gente é indecifrável, a ausência do juízo final não parece tirar do ambiente o primado do juízo, uma vez que afirmamos o que temos conosco - ou o que acreditamos ter - com os mesmos artíficios que tememos. Cavamos nosso buraco, à medida que desejamos permanecer com o duvidoso, uns esperançosos de enfim bradar incólumes com a certeza, outros - como eu - por puro gosto de continuar na linha que forneceu, até então, as pedras do calçamento. No fim, sinto que nisso tudo reside um tremendo medo da contra-mão.

Afinal, como permanecer num mundo de impermanência? É deveras "sabido" que em algum instante defronte encontrar-se-á o fim súbito, ao menos de tudo o que se conhece. E, ao mesmo tempo, imperativamente não o é. Por fim, o desconhecido, que assombra chacoalhando os sinos do conhecido, toma de nós a própria consciência, o próprio sentido do conhecer. Ficamos como que sentados no sofá, ao final do último capítulo da novela? Com aquela sensação de que simplesmente desligou-se o canal e, pronto, fim da história? Se fosse responder, diria simplesmente que "desconheço".

Desconheço a vida, embora não seja tão novo. Desconheço aonde ela me levará, ainda que muitos os seus lugares me sejam familiar. Muito que vi, talvez tudo, é uma remontagem do que vi e nada mais, no plano próximo. O que fica de diferente? Não sei bem, mas alguma coisa muito forte o provoca. Alguma coisa que faz tudo novidade. Talvez isso seja o que de fato dá à vida um colorido estimulante, um laranja camaleônico que alcança novas cores a cada olhar, como que embriagando seus espectadores. A vida, essa moça faceira, que embriaga seus súditos com perfumes de fumaças de remontados sabores. Nada seria, a vida, se não conseguíssemos degustá-la, mas eis que ao o conseguir, somos, aí sim, despidos de toda quietudo. Somos assumidos pelo apelo ausente. Tateando o fluido gozo da perdição.

O mais difícil de ser gente está ainda por ser descoberto. O que somos se recusamos o experimentar? O instante em que freiamos os ímpetos com a sola cavaleira da pertinência gela o prato e que desperdiça a comida? A vida precisa do calor para envolver. Precisa da água e do vinho. Das lágrimas e da gargalhada, e da sensação "fundo de estômago" de que tudo permanece em jogo, num jogo e por jogar. O mel que adoça a boca, a notícia sôfrega, a calma induzida, os anestésicos e a premunição. Tudo isso faz dela, a vida, tão perplexa quanto quem se dispõe a viver.

Esse mundo não perdoa os medrosos.