segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Espanto Medicinal do Fôlego

Este poema faz homenagem à todas a lutas, aos lutadores, às esperanças e às durezas que a vida reserva ao seres de aço e emoção...

Havia lá no alto, no alto de uma enganação
Um sabido moço que tanto sabia,
Sabia contos, sabia fatos,
Sabia mortos e também lembranças

Pois que então, estava esse moço
No alto da sua sabedoria
Pensando o quanto seria
Impune pousar lá embaixo

Pensava esse moço
Quão sujo, quão grosso
Seria sujar as meias
Nas pedras da infernosa multidão

Pensou e pensou mais um pouco
Até que, supreendentemente,
Decretou seu pensamento
E ousou sair do lugar

Que lugar? Ora!
O alto da sua sabedoria!
E agora, na sua homilia
Teria novos casos a confirmar

Afinal, esse moço,
Já tinha sabido e esposto
Tudo
O que havia de encontrar

Mas, na sua galantia
Sentiu o que presumiu
Que todos sentia,
E foi dizer mais um pouco
Do que sustentar

Pois, saibam vocês,
Que este moço sabido
Douto, Catedrático
E conferido
Foi dar com as aparencias
Onde elas estão de verdade

Viu onde surge toda a maldade
Viu os valores e seus juizos
Viu os guisos e as lantejoulas
Dos vestidos e das togas

Viu onde a vida advoga
Onde o homem come
E onde a fome espalha

Viu a navalha
Viu o clamor
Ouviu os gritos, xingamentos
Ofensas, injúrias, blasfemações...

E esse moço tão sabido
Reparou, constatou cientificamente
Que todos esses crentes
Dementes, pinéis
Tinham um ponto duro de ser mensurado

Teriam gráficos sórdidos de serem traçados
Teriam notas definhosas de rodapé

Este homem viu o cão da miséria e da imagem
Viu os loucos tendo palanque
E as putas tendo fiéis

Este homem viu a morte vulgarizada
Viu a vida estuprada
Viu a arte na calçada,
Ao revés

Este moço, agora homem
Depois de tanta espinhosa resposta
Olhou às costas o monte
Sábio, onde morava

Sentiu, sim, muitas vontades
Condenação, as vaidades
Clemência com retidão
Crença, superstição
Indiferença

Mas a maior delas foi a incapacidade

Olhou tanto que embarrou a vista

Não tinha mais o que tinha
Não era mais menestrel
Bacharel, sabidão das horas de tarde
Não era mais o mesmo
Não era mais capaz

Tudo que tinha era enganoso
Flácido, pantanoso
Fraco, burro, idiota, insagaz

Esse homem baixou mais baixo que folhinha de grama seca

Esse homem endoideceu

E o pior é o seguinte, moçada!

A vida seguiu passo a dentro
Passo e mais passo rumo ao velho
E a vida olhou aquilo com riso
Com sentimento de risada

De certo modo, era zombaria
Mas não aqueda escrachada de sadismo lacaniano
Era aquela de "pobre coitado, se fudeu!"

A vida, pela primeira vez, julgou este sujeito
Obteve contato com ele
O olhou nos olhos
Disse: "veja quem eu sou, cara-pálida!"
"Eu sou a plenitude transviada de fineza!"
"Eu sou a negação da sua síntese"
"E tu, tão trouxa, que nem isso fizesse!"

Coitado do pobre moço...
Ficou tão desolado
Mal-amado, mal-estudado, mal-menino

Depois desta coça
O moço enconta
E uma nova tentativa

Tenta recompor os cacos presentes
E os ausentes inventa desculpas
Faz ponto por ponto seu desenho
Espreme o restinho de empenho
E arde por guardar meia-culpa

O moço juntou de volta o passado
O que foi, o que passou
O que guarda e permanece
Mas se vai e embarcou

Nessa volta, uma desconfiança
Que a vida traga lembrança
Traga noites e mais noites
E marcas e solidão

Desta desconfiança, tenta hipóteses
Novas glosas para ajustar o desatino
Desatinado...

No pouco amor da vida em espúria
O moço tenta a volta à vida mesmo
Ser mais forte que o vento e a chuva
Ser mais humano que o valor enganoso
Maldoso valor aos homens ingratos
Os homens errados e chupins do nosso andar

O moço tenta a ousadia

O moço tenta o despertar matutino
Seis horas da manhã, à fábrica
Seis horas da tarde, à creche
Onze horas da noite, ao fogão
Zero hora de algo, à penumbra

O moço tenta a outra coisa, outro jeito
Alternativa, ah taí o nome!

É tentativa, verdade
Pode ser, pode não ser

Mas não tenta só,
Pensa e age junto, cai junto, dança junto
E isso transcende as mais altas da sabedorias
Pois do baixo de chão, pedra, poeira e pólvora
Nasce do asfato as flores experimentadas do novo
Do vivido novo que está a brotar

Da luta insolente, dos moços e moças
Da puberdade política
Do encanto e vulnerável
Desse molho que liga o pontos
Do nosso desenho

Da impertinência dos desagradáceis,
Brota as vinhas que abarcam toda a realidade
Todo o real
O belo, o velho, o novo, a trova
A mentira e a prosa
Dando vida, dando verdade
Dando mais capacidade
De voar ao alto dos altos
Às nuvens verdadeiras
E aos montes de terra,
Às montanhas condoreiras onde
Flor e homem sereneiam o ar compartilhado

É o ar dos altos sentidos e vividos
O alto da pedra e dos rios
Do movido em movimento dos mesmos
Dos seres de movida vida e frio
Que hoje calorece e caloreia
Os sóis em luta e chão e braço
É o sol em abraço

Multidão das certezas da vida

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